"The earth is evil. We don't need to grieve for it."
Título
original: Melancholia. Dirigido por: Lars von Trier. Produzido por: Meta Louise
Foldager, Louise Vesth. Roteiro de: Lars Von Trier. Montado por: Molly Malene. Fotografia
de: Manuel Alberto Claro. Estrelando: Kirsten Dunst, Charlotte Gainsbourg, Alexander
Skarsgård e Kiefer Sutherland.
Ao incorporar elementos do
movimento Dogma 95 sem se ater excessivamente às suas regras rígidas e um tanto
esdrúxulas, o cineasta dinamarquês Lars von Trier nos presenteia com um dos
melhores filmes da década. Melancolia é uma história tocante, profunda, humana
e desconcertante.
Ambientada num exuberante
castelo sueco (mas de localização não citada na narrativa atemporal), a trama
começa inserida no casamento de Justine, uma publicitária bem-sucedida
acometida pela depressão. Em contrapartida, sua irmã Claire é uma mulher segura,
calma e aparentemente feliz. Quando é anunciado que o planeta Melancolia vai
colidir com a Terra, acompanhamos a desconstrução dos mundos divergentes de
Justine e Claire, da maneira mais humana e poética possível.
Na primeira parte, centrada
em Justine, Kirsten Dunst oferece uma atuação incrível, retratando uma pessoa
depressiva com extrema sensibilidade e cuidado. É chocante notar, em seu
casamento, que em meio a incessantes sorrisos, ela parece ter sempre uma
lágrima pronta para brotar. Isso fica bem marcado na cena em que Justine se
defende dos conselhos de sua irmã (temerosa de uma recaída).
Cercado de metáforas e
construções simbólicas, com destaque para as que permeiam o irretocável prólogo
(que se desenvolve quase que como um sonho), o roteiro é hábil ao desenvolver
plenamente seus personagens. Quando os problemas de Justine chegam ao ápice, pois até sua comida preferida perdeu o sabor e ela não consegue nem mesmo banhar-se,
o primeiro ato termina e o segundo tem início. Na transição entre os dois,
nota-se que o cavalo de Justine não consegue transpor uma simples ponte,
simbolizando a impossibilidade da personagem em ultrapassar obstáculos simples
para todos os outros.
Voltada para Claire
(interpretada pela genial Charlotte Gainsbourg), a segunda parte foca no seu
desespero e na destruição de seu universo particular com a aproximação e
colisão com o planeta. Enquanto isso, Justine apresenta-se extremamente tranquila
e aliviada, reconstruindo sua existência gradativamente e aceitando com muita
paz e serenidade o destino de todos, abraçando o astro e tornando-se parte dele,
deixando que ele a invada, a conquiste. Recebendo-o de braços abertos, sem medo
ou temor, deitando-se nua em frente ao corpo celeste, chocando Claire, e ao
mesmo tempo deixando as questões mundanas para trás. Contemplando Melancolia
lado a lado com a lua, numa cena de tirar o fôlego.
Dessa forma, Claire não
aceita a situação e fica completamente perdida, incapaz de compreender, por
exemplo, porque um dos funcionários do castelo foi esperar a chegada do planeta
junto com sua família. Ela teme pelo seu filho, pelo seu marido, pela sua vida
e pela Terra e a vida que existe nela.
O roteiro frisa, na figura
de John, o pragmático marido de Claire, a presença de dezoito buracos no campo
de golfe. Perto da conclusão da narrativa, podemos ver uma bandeira sinalizando
o décimo nono buraco. Com essa metáfora, von Trier escancara a
imprevisibilidade da existência humana, a inconstância e inconsistência da vida
na Terra ou em qualquer parte do cosmos, afinal, “a terra é má... A vida está
apenas nela. E não por muito tempo.”
Contando com um roteiro bem
amarrado, o filme permite múltiplas interpretações, considerando que uma obra
existe independentemente de seu criador. Acredito que o cinema poucas vezes
retratou os desesperos humanos de maneira tão fluida e orgânica, sob a forma de
um planeta que se aproxima implacavelmente e colide com o nosso,
absorvendo-nos... Ainda que tenha vários erros de continuidade, o filme
funciona de maneira sensacional. É interessantíssimo perceber que, mesmo sendo
um diretor pessimista (vide sua abordagem em Anticristo e Dogville),
Lars von Trier mostra que podemos, sim, encontrar tranqüilidade até nas
situações mais improváveis.
Por Bernardo Argollo
Crédito
dos frames: Site Blu-ray.com (www.blu-ray.com)
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