“I just want to be
perfect.”
“Perfect? I'm not
perfect. I'm nothing.”
“I can't? I'm the Swan
Queen, you're the one who never left the choral!”
Título
original: Black Swan. Dirigido por: Darren Aronofsky. Produzido
por: Ari Handel, Scott Franklin, Mike Medavoy, Arnold Messer, Brian Oliver. Roteiro de: Mark Heyman, Andres Heinz, John
McLaughlin. Montado por: Andrew Weisblum. Fotografia de: Matthey Libatique.
Estrelando: Natalie Portman, Vincent Cassel, Mila Kunis, Barbara Hershey, Winona
Ryder.
Olhar-se no espelho e
encarar o próprio semblante nem sempre é fácil. Nossos piores inimigos e nossos
maiores aliados podem estar lá, revelando nosso “eu” enquanto nos contemplam
com os mesmos olhos inquisidores que usamos para julgá-los. Assim, o cinema é
um grande espelho, onde rimos e choramos por aqueles que sabemos não existir,
mas cujas características muitas vezes encaixam-se perfeitamente à nossa
realidade.
Em O Lago dos Cisnes, Odette
é uma princesa condenada a viver como um cisne pelo feiticeiro Rothbart e
apenas o amor verdadeiro pode encerrar a maldição. Após descobrir o interesse do
príncipe Siegfried em casar com Odette, Rothbart transforma sua filha Odile em
uma sósia da princesa, diferenciando-se desta somente por exibir vestes negras.
Enganado, o príncipe se apaixona por Odile, fazendo com que Odette cometa
suicídio e se liberte.
Ambientado no intrigante
mundo do balé, Cisne Negro incorpora
um tom realista, por vezes documental, ao retratar sem rodeios a parte menos
glamourosa desse universo. Por trás de movimentos graciosos e bem executados,
há o esforço físico e mental de artistas completamente dedicados à sua arte,
que conhecem bem a alegria e a dor de serem o que são. É nesse contexto que
Aronofsky apresenta a bailarina Nina (Portman), que sempre fora coadjuvante e
ganha o papel principal numa adaptação visceral d’O Lago dos Cisnes (de Tchaikovsky),
capitaneada pelo obsessivo Thomas (Cassel). Enquanto Nina é a perfeita
encarnação de Odette, o Cisne Branco, com sua pureza atrelada a uma técnica
meticulosa e irretocável, Lily (Kunis), uma bailarina recém-chegada à
companhia, representa melhor do que ninguém Odile, o Cisne Negro. Lily possui a
malícia e a sensualidade necessárias para o papel (e para seduzir o príncipe),
sendo uma bailarina mais instintiva do que técnica, se deixando levar...
Assim como no ótimo O Lutador, Aronofsky rodou Cisne Negro em película de 16mm. Dessa maneira, vê-se na tela uma fotografia excessivamente granulada, que se torna perturbadora ao encaixar-se perfeitamente ao universo tortuoso, confuso, áspero e “sujo” da protagonista e seu inconsciente. Logo na primeira cena, nota-se o tom psicológico da narrativa, que apresenta sua personagem principal como uma bailarina de corpo e alma, obcecada pela perfeição. Nada disso seria possível sem a atuação indescritível da israelense Natalie Portman, que naturalmente venceu o Oscar de Melhor Atriz. Ela emagreceu dez quilos para o papel e chegou a quebrar uma costela durante os ensaios.
A personalidade
infantilizada de Nina, representada pela voz sussurrante, pelo quarto
cor-de-rosa coberto de pelúcias, típico de uma pessoa absolutamente reprimida
e insegura. Como as duas personagens opostas d’O Lago dos Cisnes são sempre
interpretadas pela mesma bailarina, ela é induzida a se aventurar por caminhos
obscuros e a descobrir sua sexualidade, à medida que incorpora o Cisne Negro. E
ao descobrir-se como mulher, acompanha-se a conseqüente destruição da doce e
recalcada Nina, que se entrega à insanidade. Não discutirei a forte teoria
existente entre nós críticos, de que ela seria vítima de abusos sexuais por
parte de sua mãe, embora eu acredite que faça sentido.
Incapaz de suportar a pressão do mundo competitivo do balé e desgastada emocionalmente, Nina entra num processo de insanidade gradual, começando com coisas simples como reflexos nos espelhos e em outras superfícies. O espectador é levado a acreditar que ela está sendo perseguida por Lily, que supostamente deseja substituí-la, possuindo todas as características que faltam à rival, entre elas a capacidade de se deixar levar pela dança, sem se ater excessivamente à técnica, requisito fundamental a qualquer dançarina sedutora. Além de apresentar uma imponência que contrasta com a magreza e fragilidade de Nina, possui asas negras tatuadas às costas.
Entre as incríveis atuações, destaque para o francês Vincent Cassel na pele de Thomas Leroy e para Barbara Hershey na pele de Erica, a mãe da protagonista. Mas quem realmente salta aos olhos é Winona Ryder, que interpreta a bailarina decadente Beth (a quem o papel de Odette e Odile pertencera), alguém cuja perda da identidade é simbolizada pela destruição de sua própria face em virtude de sua decaída natural com o avanço implacável da idade.
O design de som acerta por combinar elementos diegéticos e narrativos
na composição da tumultuada conjuntura interior de Nina. Os efeitos visuais
também são incríveis, incorporando-se de forma fluida e orgânica ao processo.
Dessa maneira, cumprem seu objetivo com perfeição, pois o espectador médio não
é capaz de precisar o que é e o que não é artificial, de modo a se envolver
ainda mais na história.
Natalie Portman deixa bem
marcada a incompetência de sua personagem em personificar Odile, sendo
reprimida, retraída e travada. Assim, o público se emociona ainda mais quando a
vê dançando sensualmente e apaixonadamente no terceiro ato, quando até sua
respiração lembra um ofegar quase que sexual.
A busca pela perfeição e suas
consequências são temas recorrentes na filmografia de Aronofsky. Cisne Negro rivaliza em riqueza de ideias,
portanto, com obras como Pi e Réquiem Para um Sonho. Os sacrifícios e
as terríveis provações necessárias para ascender existencialmente sempre levam
a uma conclusão emocionante e apoteótica. Mais do que uma obra que trata dos
anseios mais íntimos e viscerais da psique humana, esta produção não se
contenta com o lugar-comum e quer se superar a cada sequência. Atenção para a
cena da boate, ela significa muito.
Explorando conceitos
freudianos e situações intensas, esta película dificilmente será esquecida e é,
certamente, um dos melhores filmes da década. Provavelmente nunca houve na
história do cinema uma película que brincasse com espelhos de maneira tão
inteligente e curiosa. E nessa brincadeira acompanha-se uma criatura inocente
descobrir-se como um grande obstáculo à própria trajetória. E ao destruir quem
está em seu caminho para alcançar libertação de uma existência vacilante, ela
se torna capaz de seduzir o príncipe, a corte, a plateia e o mundo inteiro.
Por Bernardo Argollo
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Créditos
dos frames: Site Blu-ray.com e Fox Searchlight.
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to Blu-ray.com and Fox Searchlight.