sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Crítica: Cisne Negro (2010)













“I just want to be perfect.”
“Perfect? I'm not perfect. I'm nothing.”
“I can't? I'm the Swan Queen, you're the one who never left the choral!”

Título original: Black Swan. Dirigido por: Darren Aronofsky. Produzido por: Ari Handel, Scott Franklin, Mike Medavoy, Arnold Messer, Brian Oliver. Roteiro de: Mark Heyman, Andres Heinz, John McLaughlin. Montado por: Andrew Weisblum. Fotografia de: Matthey Libatique. Estrelando: Natalie Portman, Vincent Cassel, Mila Kunis, Barbara Hershey, Winona Ryder.

Olhar-se no espelho e encarar o próprio semblante nem sempre é fácil. Nossos piores inimigos e nossos maiores aliados podem estar lá, revelando nosso “eu” enquanto nos contemplam com os mesmos olhos inquisidores que usamos para julgá-los. Assim, o cinema é um grande espelho, onde rimos e choramos por aqueles que sabemos não existir, mas cujas características muitas vezes encaixam-se perfeitamente à nossa realidade.


Em O Lago dos Cisnes, Odette é uma princesa condenada a viver como um cisne pelo feiticeiro Rothbart e apenas o amor verdadeiro pode encerrar a maldição. Após descobrir o interesse do príncipe Siegfried em casar com Odette, Rothbart transforma sua filha Odile em uma sósia da princesa, diferenciando-se desta somente por exibir vestes negras. Enganado, o príncipe se apaixona por Odile, fazendo com que Odette cometa suicídio e se liberte.

Ambientado no intrigante mundo do balé, Cisne Negro incorpora um tom realista, por vezes documental, ao retratar sem rodeios a parte menos glamourosa desse universo. Por trás de movimentos graciosos e bem executados, há o esforço físico e mental de artistas completamente dedicados à sua arte, que conhecem bem a alegria e a dor de serem o que são. É nesse contexto que Aronofsky apresenta a bailarina Nina (Portman), que sempre fora coadjuvante e ganha o papel principal numa adaptação visceral d’O Lago dos Cisnes (de Tchaikovsky), capitaneada pelo obsessivo Thomas (Cassel). Enquanto Nina é a perfeita encarnação de Odette, o Cisne Branco, com sua pureza atrelada a uma técnica meticulosa e irretocável, Lily (Kunis), uma bailarina recém-chegada à companhia, representa melhor do que ninguém Odile, o Cisne Negro. Lily possui a malícia e a sensualidade necessárias para o papel (e para seduzir o príncipe), sendo uma bailarina mais instintiva do que técnica, se deixando levar...


Assim como no ótimo O Lutador, Aronofsky rodou Cisne Negro em película de 16mm. Dessa maneira, vê-se na tela uma fotografia excessivamente granulada, que se torna perturbadora ao encaixar-se perfeitamente ao universo tortuoso, confuso, áspero e “sujo” da protagonista e seu inconsciente. Logo na primeira cena, nota-se o tom psicológico da narrativa, que apresenta sua personagem principal como uma bailarina de corpo e alma, obcecada pela perfeição. Nada disso seria possível sem a atuação indescritível da israelense Natalie Portman, que naturalmente venceu o Oscar de Melhor Atriz. Ela emagreceu dez quilos para o papel e chegou a quebrar uma costela durante os ensaios.

A personalidade infantilizada de Nina, representada pela voz sussurrante, pelo quarto cor-de-rosa coberto de pelúcias, típico de uma pessoa absolutamente reprimida e insegura. Como as duas personagens opostas d’O Lago dos Cisnes são sempre interpretadas pela mesma bailarina, ela é induzida a se aventurar por caminhos obscuros e a descobrir sua sexualidade, à medida que incorpora o Cisne Negro. E ao descobrir-se como mulher, acompanha-se a conseqüente destruição da doce e recalcada Nina, que se entrega à insanidade. Não discutirei a forte teoria existente entre nós críticos, de que ela seria vítima de abusos sexuais por parte de sua mãe, embora eu acredite que faça sentido.


Incapaz de suportar a pressão do mundo competitivo do balé e desgastada emocionalmente, Nina entra num processo de insanidade gradual, começando com coisas simples como reflexos nos espelhos e em outras superfícies. O espectador é levado a acreditar que ela está sendo perseguida por Lily, que supostamente deseja substituí-la, possuindo todas as características que faltam à rival, entre elas a capacidade de se deixar levar pela dança, sem se ater excessivamente à técnica, requisito fundamental a qualquer dançarina sedutora. Além de apresentar uma imponência que contrasta com a magreza e fragilidade de Nina, possui asas negras tatuadas às costas.



Entre as incríveis atuações, destaque para o francês Vincent Cassel na pele de Thomas Leroy e para Barbara Hershey na pele de Erica, a mãe da protagonista. Mas quem realmente salta aos olhos é Winona Ryder, que interpreta a bailarina decadente Beth (a quem o papel de Odette e Odile pertencera), alguém cuja perda da identidade é simbolizada pela destruição de sua própria face em virtude de sua decaída natural com o avanço implacável da idade.

O design de som acerta por combinar elementos diegéticos e narrativos na composição da tumultuada conjuntura interior de Nina. Os efeitos visuais também são incríveis, incorporando-se de forma fluida e orgânica ao processo. Dessa maneira, cumprem seu objetivo com perfeição, pois o espectador médio não é capaz de precisar o que é e o que não é artificial, de modo a se envolver ainda mais na história.


Natalie Portman deixa bem marcada a incompetência de sua personagem em personificar Odile, sendo reprimida, retraída e travada. Assim, o público se emociona ainda mais quando a vê dançando sensualmente e apaixonadamente no terceiro ato, quando até sua respiração lembra um ofegar quase que sexual.


A busca pela perfeição e suas consequências são temas recorrentes na filmografia de Aronofsky. Cisne Negro rivaliza em riqueza de ideias, portanto, com obras como Pi e Réquiem Para um Sonho. Os sacrifícios e as terríveis provações necessárias para ascender existencialmente sempre levam a uma conclusão emocionante e apoteótica. Mais do que uma obra que trata dos anseios mais íntimos e viscerais da psique humana, esta produção não se contenta com o lugar-comum e quer se superar a cada sequência. Atenção para a cena da boate, ela significa muito.

Explorando conceitos freudianos e situações intensas, esta película dificilmente será esquecida e é, certamente, um dos melhores filmes da década. Provavelmente nunca houve na história do cinema uma película que brincasse com espelhos de maneira tão inteligente e curiosa. E nessa brincadeira acompanha-se uma criatura inocente descobrir-se como um grande obstáculo à própria trajetória. E ao destruir quem está em seu caminho para alcançar libertação de uma existência vacilante, ela se torna capaz de seduzir o príncipe, a corte, a plateia e o mundo inteiro.


Por Bernardo Argollo

P.S.: Os frames estão em alta resolução, clique para ampliá-los.

Créditos dos frames: Site Blu-ray.com e Fox Searchlight.

All the frames used here belong to Blu-ray.com and Fox Searchlight.

sábado, 8 de setembro de 2012

Crítica: Os Mercenários 2 (2012)


“I now pronounce you man and knife”.

Título original: The Expendables 2. Dirigido por: Simon West. Produzido por: Avy Lerner, Danny Lerner, Kevin King Templeton, Les Weldon. Roteiro de: Richard Wenk, Sylvester Stallone. Montado por: Todd Miller. Fotografia de: Shelly Johnson. Estrelando: Sylvester Stallone, Dolph Lundgren, Jason Statham, Jet Li, Randy Couture, Terry Crews, Liam Hemsworth, Scott Adkins, Nan Yu.

Os Mercenários 2, deveria, teoricamente, ser considerando um filme ruim. Porém, é fato que ele cumpre o que promete e o que se propõe a ser. Diálogos rasos, fotografia ilógica, efeitos visuais ruins e furos no roteiro não tiram o brilhantismo desta continuação de uma excelente homenagem aos icônicos filmes de ação dos anos 1980, sendo uma experiência incrível assisti-la. O filme simplesmente funciona, simplesmente chega ao espectador. O longa sabe explorar suas características, brinca com elas. Ver tantos heróis oitentistas reunidos para 103 minutos de pancadaria deve ser especialmente nostálgico para o público na casa dos quarenta anos, que acompanhou o auge daqueles que hoje brincam com a própria idade.

O roteiro inicia com uma eletrizante cena de ação, ambientada no Nepal, onde o grupo de mercenários resgata um bilionário chinês. A partir de então, o grupo é convocado para resgatar um artefato de um avião acidentado e lá encontram Villain (Van Damme), que provavelmente recebeu esse nome para que não percamos tempo pensando no que ele seja, dada a obviedade da narrativa. Villain rouba o objeto e mata o mais novo integrante do grupo, Billy “the Kid” (interpretado por Liam Hemswoth, irmão de Chris Hemsworth, o Thor).

Os diálogos, apesar de rasos e, algumas vezes, sofríveis, surpreendem por não apresentarem palavrões ou linguagem vulgar. Trata-se de uma exigência de Chuck Norris para participar do filme, cumprida à risca. A ausência de um elemento quase sempre presente nesse gênero não chega a chamar atenção, mas é notada pelo espectador experiente. Além disso, roteiro se diverte ao fazer os personagens dizerem as frases de efeito uns dos outros, o que é eficiente, pois cria humor e disfarça a fragilidade da construção dos diálogos.

A produção é visualmente confusa, exibindo mudanças na fotografia sem nenhum motivo racional ou emocionalmente detectável (a não ser quando o diretor aplica um soft focus afim de disfarçar as marcas do tempo no rosto de Stallone). O quadro é ora granulado, ora liso e ainda alterna momentos de penumbra com outros mais iluminados.

Em vez de desenvolver o personagem de Liam Hemsworth, os desastrados roteiristas optam por eliminá-lo na primeira oportunidade, sendo que ele praticamente já tinha um arco dramático. Sua morte, ainda por cima, dá origem a reflexões vazias e deslocadas (“Porque os que mais merecem viver, os que mais querem fazê-lo morrem – e os que não merecem viver, permanecem?”). Mas isso é pouco perto de ver o mesmo figurante sendo morto duas ou três vezes.

A direção de Simon West é muito melhor que a de Stallone no longa anterior, acertando por trazes ótimas sequências de ação. Seus planos são mais longos e seus movimentos de câmera mais eficazes, pois permitem que os acontecimentos sejam observados, ao contrário dos planos curtíssimos e dos cortes frenéticos de Stallone.

Por fim, o saldo é positivo e a película se estabelece como uma ótima fonte do mais puro entretenimento, prestando uma merecida homenagem a um período que não volta mais. O carisma dos atores e o clima compensam os defeitos, e são eles que fazem com que a película não seja esquecida. Se nem o próprio filme se leva a sério, quem sou eu para levá-lo?

Por Bernardo Argollo

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