terça-feira, 23 de outubro de 2012

Crítica: Fonte da Vida (2006)













“Then you shall take this ring to remind you of your promise. You shall wear it when you find Eden, and when you return, I shall be your Eve. Together we will live forever.”

Título original: The Fountain. Dirigido por: Darren Aronofsky. Produzido por: Arnon Milchan, Iain Smith, Eric Watson. Roteiro de: Darren Aronofsky. Montado por: Jay Rabinowitz. Fotografia de: Matthey Libatique. Estrelando: Hugh Jackman, Rachel Weisz, Ellen Burstyn.

O que falar de uma produção que possui, entre outras coisas, roteiro complexo, mau desempenho nas bilheterias e opiniões divergentes entre os críticos? A princípio, é nevrálgico salientar que não é um filme para qualquer um. Não há didatismo e, se você não entendeu algo, o roteiro não vai explicar com um final mastigado ou com diálogos expositivos. O espectador deve parar, pensar e, se possível, assisti-lo novamente. Quem não presta atenção sai com a sensação de nada ter entendido. É muita simbologia e pouca linearidade, numa trama em que realidade e fantasia se confundem.


É complicado até resumir a trama! Basicamente, ela contempla três histórias paralelas ambientadas em épocas diferentes, com o mesmo objetivo central. No ano 2000 a mulher do pesquisador Tommy Creo está prestes a morrer, e ele procura desesperadamente a cura para o câncer que a devora. Em 1500, o conquistador Tomas Creo busca a árvore da vida (como descrita na bíblia), afim de viver para sempre ao lado da rainha Isabel. Unindo essas duas histórias, em 2500, o astronauta Tom busca respostas para as questões fundamentais da existência. O filme aborda aspectos filosóficos relacionados à existência, bem como referências a várias doutrinas religiosas e à concepção de cosmogonia da cultura maia.

O diretor tenta suavizar as mudanças abruptas de tom com o uso de raccords (encaixes entre os planos através, geralmente, de formas semelhantes, evitando que o corte fique muito evidente). O recurso funciona, deixando as transições entre os universos fluidas e naturais.


Nada disso seria possível sem o talento inquestionável de Hugh Jackman e Rachel Weisz. No filme, vê-se um Jackman muito maduro, dominando com maestria toda carga emocional que seu personagem exige. Rachel Weisz, por sua vez, apresenta-se magnânima em cada frame que aparece. É incrível a capacidade que ela possui de rir e chorar simultaneamente, sem que nenhuma das duas ações soe falsa ou forçada. Destaque para a cena em que ela diz a mesma frase duas vezes, representando duas personagens diferentes. Tal cena é tocante e expõe todo o seu talento e seu alcance dramático incrível.

A produção aposta numa sutileza visual, baseada em uma fotografia competente sempre em tom amarelado. Dessa forma, a simplicidade técnica alia-se à complexidade do roteiro construindo um todo coeso. A trilha sonora também é importantíssima para o desempenho da produção, apresentando a incrível capacidade de aguçar os nossos ouvidos nos momentos mais emblemáticos.

Os círculos, conceito recorrente na fotografia do filme, são úteis ao demonstrar que a morte não é o fim da vida, e sim o reinício desta, constituindo um ciclo. É elegante e eficaz a maneira como o roteiro aborda a necessidade de se aceitar a morte como parte de existência. Isso fica evidente no plano que mostra o astronauta Tom indo em direção à estrela Xibalba. Talvez seja essa visão otimista e filosófica que deixe a película racional demais, fria demais. O fracasso de bilheteria corrobora esse fato.


Por Bernardo Argollo

All the frames used here belong to Blu-ray.com and 20th Century Fox.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Crítica: Réquiem Para um Sonho (2000)













“I'm somebody now, Harry. Everybody likes me. Soon, millions of people will see me and they'll all like me. I'll tell them about you, and your father, how good he was to us. Remember? It's a reason to get up in the morning. It's a reason to lose weight, to fit in the red dress. It's a reason to smile. It makes tomorrow all right. What have I got Harry, hm? Why should I even make the bed, or wash the dishes? I do them, but why should I? I'm alone. Your father's gone, you're gone. I got no one to care for. What have I got, Harry? I'm lonely. I'm old.”

Título original: Requiem for a Dream. Dirigido por: Darren Aronofsky. Produzido por: Eric Watson, Palmer West. Roteiro de: Darren Aronofsky, Hubert Selby Jr. Montado por: Jay Rabinowitz. Fotografia de: Matthey Libatique. Estrelando: Ellen Burstyn, Jared Leto, Jennifer Connelly, Marlon Wayans.

Parte 1: O sonho

Assistir Réquiem para um Sonho é levar um soco no estômago, tamanho é o desgaste emocional que o filme traz. É como se você fosse pisoteado por uma manada faminta. Quer o espectador goste ou não do filme, ele deixa um marco no inconsciente, retratando o uso de drogas (legais ou ilegais) de maneira clara, entregando tudo explicitamente. A película acerta ao trazer não o mundo underground, dos becos e bueiros, mas um mundo que poderia ser o de qualquer um.


A trama acompanha a jornada de quatro personagens. A primeira é Sara Goldfarb (Ellen Burstyn) , uma viúva que fica em êxtase ao ser convidada para participar de um programa de televisão. Ao receber o convite, ela fica obcecada por melhorar sua aparência. Dessa forma, para perder peso e caber em seu vestido preferido, ela começa a usar anfetaminas durante o dia em conjunto com sedativos à noite. Seu filho Harry (Jared Leto), viciado em heroína (palavra que não é citada uma única vez em toda a película), tem a “brilhante” ideia de revender drogas alterando sua qualidade junto com sua namorada Marion (Jennifer Connelly), que sonha em ser estilista, e seu melhor amigo Tyrone (Marlon Wayans).

Qual será o diferencial desse filme tão cultuado? Várias produções já discutiram essa temática, mas nenhum filme alcançou tal sucesso. Atribuo a perfeição atingida, que alçou Darren Aronofsky a outro patamar como cineasta, à trinca: montagem, roteiro e trilha.

O roteiro acerta ao apostar em poucos personagens, desenvolvendo-os ao máximo. Dentre os recursos narrativos que saltam aos olhos, figura a chamada hip hop montage ou fast cutting, que consiste em justapor planos curtíssimos com cortes frenéticos, no ritmo do pensamento dos personagens e do espectador. A técnica deriva da cultura do hip hop dos anos 90 e dos jump cuts da Nouvelle Vague francesa. O recurso funciona bem, pois é utilizado com fluidez e sem exageros, encaixando-se perfeitamente aos personagens e seus universos.


Não há como escrever sobre este filme sem citar a trilha sonora composta com maestria por Clint Mansell. Foi para esta película que foi criada a famosíssima música instrumental Lux Aeterna, que por si se tornou um clássico, um ícone. Ela é utilizada exaustivamente em trailers, games, publicidade e até em trabalhos escolares.

Ellen Burstyn, hoje com 80 anos, apresentou neste longa, certamente, a melhor atuação da sua carreira. Ela consegue ser ao mesmo tempo extremamente cativante e chocante. Ela representou plenamente a degradação física, psicológica e humana de sua personagem. É impossível não torcer por ela com cada célula de nossos corpos, é impossível não se sensibilizar e ficar se perguntando ininterruptamente: “Como essa mulher foi capaz de chegar a esse ponto?”. O espectador fica absurdamente inquieto. Ele envolve-se e identifica-se completamente.

E é dessa forma visceral que vê-se discutida a questão do papel do sonho na vida do ser humano. O sonho é o alimento dos personagens, é o que os mantém vivos, mesmo quando tudo está perdido. A busca por seus devaneios é o estado comum dos personagens, é o que os une. Imerso nesse contexto que está o uso de drogas fomentado pela solidão e pela concorrência voraz do mundo contemporâneo.


Parte 2: O réquiem

A palavra réquiem vem do latim, significa repouso, descanso. Em liturgia cristã, essa palavra representa a música encomendada para um falecido ou uma missa ou orações fúnebres. Réquiem. Réquiem para um sonho.

O diretor brinca com imagens para compor o drama dos personagens. Ele ambiciona posicionar o espectador diante do caos e da degradação de maneira plena. Não é um filme sobre drogas, sobre drogados ou sobre vícios. É um filme sobre seres humanos e as perdas que as drogas trazem. Pode ser um braço, a liberdade, o corpo, a consciência... Não é o tipo de droga que vai determinar a degradação. Mas é o desrespeito aos próprios limites e a própria sociedade, a grande distribuidora e divulgadora das verdadeiras drogas. As imagens desse longa não são facilmente aceitáveis, demora-se um tempo para digeri-las.


O roteiro se posiciona contra o efeito devastador das drogas, mas toma o cuidado de não julgar a validade da motivação das personagens. A falta de amparo deles, simbolicamente mostrada com a posição fetal que todos adotam em algum momento, perturba e desconforta o espectador.

Os quarenta últimos minutos são os mais assustadores, principalmente pela ausência de um deus ex machina. Assim, as pessoas solitárias que embarcaram nesse verdadeiro inferno estão irremediavelmente perdidas, e o cineasta é extremamente corajoso ao acompanhar suas trajetórias até o fim. Ele termina o que começou.

Além dos diálogos emocionantes, alguns recursos estilísticos fazem-se presentes de maneira incrível. Destaque para a tela dividida no primeiro ato, útil ao salientar que, apesar da proximidade física, Harry e Sara estão distantes, pois suas perspectivas e seus sonhos divergem. Aliado a isso, encontra-se o uso de lentes que deformam as extremidades da imagem, deixando-as arredondadas. Tal recurso evidencia as características do universo das personagens, um universo turvo.

Um drama realmente intenso é revelado em cada frame dessa obra, com pessoas que passam a sentir prazer mesmo quando ele vem acompanhado de dor. Essa produção se propõe a ser um retrato da nossa sociedade, e assim deve ser encarada. O que se vê é o desvirtuamento de valores, cenas intensas, e sonhos elevados por réquiens. Otimismos e pessimismos à parte, permita-se mergulhar no que o cinema pode proporcionar. Pense na sua própria existência. Amplie-se.


Por Bernardo Argollo

P.S.: Clique nos frames para ampliá-los.

All the frames used here belong to Blu-ray.com and Lionsgate.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Artigo | O formato CinemaScope e a evolução das razões de aspecto na história do cinema


Nesse primeiro artigo, decidi falar sobre o formato que homenageei com o nome deste blog, e consequentemente sobre as razões de aspecto do cinema e sua evolução. CinemaScope foi uma tecnologia de captação e projeção criada pela 20th Century Fox e utilizada entre 1953 e 1963. O processo utiliza lentes anamórficas ao invés das esféricas (sobre as quais falarei posteriormente) e seu nome (CinemaScope ou simplesmente ‘Scope) acabou se tornando um jargão cinematográfico amplamente usado por produtores, projecionistas e críticos, se referindo, hoje em dia, às razões 2,35:1 ou 2,39:1.

Propaganda do filme The Robe (1953) e do formato CinemaScope.
Uma lente de captura anamórfica.












Uma breve explicação sobre razões de aspecto: como a imagem cinematográfica é limitada e bidimensional, ele é enquadrada num retângulo que precisa seguir uma proporção, essa proporção é a razão de aspecto. Em um filme de razão 1,33:1 (lê-se: 1,33 por 1), por exemplo, a largura do retângulo é 1,33 vezes maior que a altura. Embora o sistema de lentes do CinemaScope hoje esteja obsoleto, o formato criado por ele perdura até a contemporaneidade.


A evolução e o desenvolvimento das mais variadas razões de aspecto foi causada por um motivo análogo ao que fomenta o desenvolvimento da tecnologia e da linguagem 3D. No início da década de 50, Hollywood estava em pânico. A televisão crescia assustadoramente e o número de pessoas que ia ao cinema diminuía, juntamente com as ações antitruste do governo americano que abalavam a indústria cinematográfica. Era preciso apresentar algo novo, único, algo pelo qual valesse a pena sair de casa, que só o cinema oferecesse. Essa foi a época das produções caríssimas e suntuosas, das primeiras experiências com 3D, do som estereofônico e do advendo do widescreen (em português, tela larga). Tal mudança, adotada pela televisão há poucos anos (evidenciando o atraso desta em relação ao cinema), mudou para sempre a história do cinema, ampliando o campo de visão e as possibilidades da linguagem cinematográfica.

Frame de O Mágico de Oz (1939)
Observe o ganho de campo de visão em relação ao formato antigo.

Dificuldades técnicas determinaram o fim do 3D, mas não dos processos rivais Cinerama e CinemaScope (numa concorrência semelhante à do Blu-ray com o HD-DVD entre 2006 e 2008). O processo CinemaScope consistia basicamente no uso de uma lente anamórfica (palavra que vem do grego e significa “formado novamente”), que deformava a imagem de modo a fazê-la caber na película de aspecto 1,37:1 sem perda de área de registro (e de qualidade) que acontece no processo widescreen esférico, onde o filme é totalmente exposto na filmagem e é projetado com o uso de um anteparo que “corta” a imagem em cima e em baixo, para criar o efeito wide de acordo com o que o diretor quiser exibir. O CinemaScope permitia razões de até 2,66:1, praticamente o dobro da comum, mas na prática nem sempre foram utilizadas razões tão grandes para acomodar as trilhas de som. A criação do CinemaScope rendeu à Bausch & Lomb um Oscar em 1954.

 
Observe a diferença entre uma lente esférica (à esq.) e uma anamórfica (à dir.). A anamórfica deforma a imagem para aproveitar o espaço.

Na contemporaneidade as razões mais comuns são 1,66:1, comum na Europa, 1,78:1, utilizada nas atuais TVs de alta definição, 1,85:1, praticamente igual à anterior e muito comum no cinema americano. Mas o padrão de fato é a 2,35:1, amplamente utilizada pelos diretores. Obviamente, existem várias outras razões, mas as mais comuns e expressivas são as supracitadas.

Frame de Ben-Hur (1959) mostrando a razão de aspecto extremamente larga de 2,76:1.

Antigamente, a razão de aspecto utilizada pelo cinema era a mesma utilizada pela televisão, a 1,37:1 ou 1,33:1 (a diferença é imperceptível). Como praticamente todos os filmes feitos depois da década de 50 utilizam razões maiores, os filmes precisaram ser mutilados adaptados para “caber” na tela dos televisores. É uma pena que os espectadores médios não percebam o absurdo da prática. Felizmente, cortar os cantos da imagem é uma atitude cada vez menos comum no mercado de home video, mas ainda existente nas transmissões da TV.  Nem sempre é necessário fazer o letterboxing (adicionar barras pretas acima e abaixo da imagem), pois muitos filmes ainda são feitos em razões menores. É complicado dizer para uma pessoa que paga caro em uma TV que ela tem que abrir mão da uma parte da área da tela para ter a experiência adequada na maioria das produções atuais... Enfim, coisas da vida. Espero ter sido bem claro e didático.

Observe o quanto se perde em imagem ao se converter do formato 2,35:1 para o 1,33:1 ainda utilizado na TV aberta.

Por Bernardo Argollo

P.S.: Clique nas imagens para ampliá-las. ;)

As imagens aqui utilizadas estão livremente disponíveis na internet. Se você é dono de alguma delas e a quer ver retirada, entre em contato que a removerei.

The images shown here are freely available on the internet. If you are the owner and want them removed, please, contact me.

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