sábado, 25 de agosto de 2012

Crítica: Laranja Mecânica (1971)


“It's funny how the colors of the real world only seem really real when you viddy them on the screen.”

Título original: A Clockwork Orange. Dirigido por: Stanley Kubrick. Produzido por: Stanley Kubrick. Roteiro de: Stanley Kubrick. Montado por: Bill Butler. Fotografia de: John Alcott. Estrelando: Malcolm McDowell, Patrick Magee, Adrienne Corri, Mirian Karlin, Godfrey Quigley e Anthony Sharp.

Violento. Marcante. Perturbador. Ousado. Espirituoso. Todos esses adjetivos são pouco diante da complexidade e da qualidade desta obra de Stanley Kubrick, que possui uma das mais geniais filmografias da história do cinema. A princípio, deixo claro que venho por meio deste registrar minhas impressões e dissertar brevemente acerca deste clássico. Não tenho como objetivo inovar na interpretação de algo que já possui mais de quatro décadas de existência e já foi dissecado de todas as maneiras possíveis e imagináveis. Não me sinto no direito de fazê-lo com um filme do qual não vivenciei o contexto de lançamento.

Laranja Mecânica contempla a visão de futuro de Kubrick, baseada no livro homônimo de Anthony Burgess, publicado em 1962. A trama acompanha a jornada de Alex, um jovem de um futuro indefinido que vive suas aventuras inconsequentes em uma Londres diferente da que conhecemos. Em meio a atos de violência, estupro e vandalismo, Alex e seus droogs divertem-se e suscitam reflexões. Ao ser condenado a 14 anos de prisão por seus crimes, o protagonista é submetido a um inovador tratamento que visa curá-lo de sua perfídia e subversão, trazendo à tona, destarte, indagações sobre os limites do controle do indivíduo pelo Estado e sobre o cerceamento do livre arbítrio.


Logo no plano inicial, um zoom típico de Kubrick vai abrindo o quadro e somos apresentados ao panorama do período retratado. Os objetos de decoração ali presentes chamam atenção por apresentarem figuras femininas reificadas, introduzindo a misoginia da sociedade abordada. A narração que se segue apresenta os personagens e o vocabulário próprio dos jovens do filme, o Nadsat (um inglês que incorpora elementos de russo). O chapéu-coco utilizados pelos rapazes é uma clara alusão aos políticos britânicos, encaixando-se perfeitamente à frieza de suas roupas brancas, que lembram um uniforme operário, ligeiramente acinzentadas.


Apesar de a violência estilizada contida na produção não impressionar tanto na contemporaneidade, o diretor é hábil ao criar imagens perturbadoras (para que o espectador não consiga se livrar delas) e mexer com temores profundos do ser humano. Isso fica evidente logo no primeiro ato, na sequência da invasão à casa do escritor. Nela, o público fica desconcertado, pois a idéia transmitida é a de que, naquele universo, as pessoas não estão seguras nem mesmo em suas próprias casas (leia-se: seus maiores refúgios). Dessa forma, a película torna-se mais desconcertante que os programas de TV e filmes atuais, muitos com violência gráfica bem mais explícita.


Ainda sobre a violência, convém ressaltar os excelentes e criativos recursos narrativos utilizados para apresentá-la. Ela é, como já dito, estilizada, portanto, mais sutil aos sentidos. Além disso, é mostrada sempre junto com uma empolgante música clássica. Somos convidados a participar dela, aproveitá-la, de modo que não nos sintamos atingidos ou afetados. Com essa combinação inusitada, Kubrick quer questionar, provocar. Vocês se acham civilizados? O que dizem de um rapaz agressivo que se sensibiliza com a 9ª sinfonia de Beethoven? Qual a relação entre a arte e o mal humano? A arte está tão avançada que não se volta mais ao mundo animal? Esse filme incita a violência? Kubrick gosta de explorar os mais distantes limites de tudo, de tudo que é primitivo e visceral. Censurar esse filme é censurar uma visão da vida humana.

O protagonista Alex, brilhantemente interpretado por Malcolm McDowell em cada uma de suas nuances e transições entre estas, é incrível. Único personagem a falar diretamente com a câmera, constrói uma narrativa intimista, confessional, que faz do espectador um cúmplice. A estratégia é útil, pois ao compartilhar de sua adrenalina, o público pode até achá-lo horrível, mas nunca detestável. Dessa forma, quando Alex é transformado em uma laranja mecânica, condenamos o Estado da mesma maneira que condenamos o rapaz por seus crimes no começo da projeção. Será ele uma figura heroica? Afinal, parece existir num cenário destituído de pessoas.

A produção tenta, direta e indiretamente, forçar a identificação do público jovem com seus personagens. Isso acontece nos três atos. Exempli gratia, Alex é claramente mais inteligente que seus pais (quem nunca se sentiu assim que atire a primeira pedra). Quem nunca se sentiu substituído? O ápice desse questionamento ocorre na ótima cena em que Alex descobre que seu quarto foi alugado, e sua cobra (símbolo do pecado na cultura ocidental) foi morta.


Confrontando, num mesmo plano, belas imagens arquitetônicas com estupro, o filme cria e mantém seus incômodos conflitos. Ora sexy, ora violenta, a produção está sempre evidenciando a sagacidade daqueles que a criaram. Kubrick é perfeccionista, quer sempre mais. O comum o entedia. Seus filmes são dinâmicos, funcionam.

Na sequência da prisão, alguns elementos saltam aos olhos. O primeiro á um tanto óbvio: a substituição de nomes por números, a massificação que leva à perda da individualidade e da identidade. A segunda é a presença constante do padre, que serve, naturalmente, de repositório da moralidade cristã. Dessa forma, vê-se a função que a religião sempre teve em toda História, a de doutrinar as pessoas, aliená-las, servir de muleta, fazer com que elas aceitem as coisas passivamente.


A principal discussão da narrativa, contudo, diz respeito à retirada do direito à formação da própria moral. É público e notório que, quando a lei falha grupos organizados assumem o poder. O Estado deve, então, combater a violência retirando do cidadão a capacidade de “pecar”? Cabe a cada um decidir sua posição. Não é função do crítico de cinema ir por este ou aquele viés. Destaco, todavia, o momento simbólico em que os outrora companheiros de Alex tornam-se policiais, ingressando para o “braço” do Estado responsável pela “proteção” e “controle” do sistema.


No final da proteção, acompanhamos o consequente uso de Alex como objeto político-partidário, resultado da polêmica causada pela sua “cura”. No encerramento, Kubrick deixa escapar um quê moralizante, mas mesmo assim, permite diversas interpretações, algo típico de sua filmografia. Passeando por diversos gêneros, diversos temas, provocações variadas e sempre querendo mais, Stanley Kubrick é, indubitavelmente, uma das maiores figuras da Sétima Arte. Conhecer e apreciar sua obra é fundamental para entender melhor o cinema, o mundo, e a si mesmo.


Por Bernardo Argollo

P.S.: Os frames estão em alta resolução, clique para ampliá-los.

Crédito dos frames: Site Blu-ray.com (www.blu-ray.com)

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Crítica: Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012)













“When Gotham is ashes, you have my permission to die.” 

Título original: The Dark Knight Rises. Dirigido por: Christopher Nolan. Produzido por: Emma Thomas, Christopher Nolan, Charles Roven. Roteiro de: Jonathan Nolan e Christopher Nolan. Montado por: Lee Smith. Fotografia de: Wally Pfister. Estrelando: Christian Bale, Michael Cane, Anne Hathaway, Tom Hardy, Marion Cotillard, Joseph Gordon-Levitt, Morgan Freeman.

Em um encerramento digno para uma saga madura e ambiciosa, Christopher Nolan ratifica-se como um dos grandes diretores da contemporaneidade. Sua abordagem é adulta, verossímil e emocionante, sendo infinitamente mais interessante que o tom caricato adotado por Tim Burton. A envolvente narrativa tem falhas óbvias, fruto do excesso de pontas soltas dos filmes anteriores e de subtramas para resolver. Tais deslizes, contudo, não tiram o brilhantismo da fita e do seu formindável diretor.

Antes de dissertar de fato, devo observar que foi um alívio assistir à projeção em 35 mm (já que, infelizmente, não existem salas IMAX no meu estado). Em meio às terríveis projeções digitais que se espalham (não tenho nada contra, mas é necessária uma resolução maior que 4K para substituir a película), é gratificante perceber que existe um diretor consciente de que a melhor experiência cinematográfica ainda é a película. Exceto para produções em 3D, quando muitas vezes questões financeiras inviabilizam a sincronização de dois projetores e soluções digitais fazem-se necessárias, substituir a película sem prejuízos ainda é algo complicado.

Já feitos os comentários técnicos, vamos à crítica propriamente dita. A trama tem início oito anos após os acontecimentos vistos no longa anterior, quando a morte de Harvey Dent (atribuída a Batman) induz à criação de uma lei que inibe a criminalidade em Gotham. É nesse panorama que Bruce Wayne está imerso, tendo que reassumir seu alter-ego depois que a presença de Bane e de seu exército subterrâneo é revelada. Diversas subtramas e personagens secundários estão presentes, como a mulher-gato Selina Kyle (Hathaway), o jovem policial Blake (Gordon-Levitt) e a milionária (e, mais tarde, vilã) Miranda Tate.

Numa eletrizante sequência de ação logo nos primeiros minutos, somos apresentados ao terrorista Bane, brilhantemente interpretado por Tom Hardy. O ator apresenta uma composição vocal e uma imponência física notáveis. A voz profunda e hipnotizante do personagem é eficaz e necessária, já que seu rosto está sempre coberto por uma máscara (cuja função é liberar analgésicos para que ele possa suportar as horríveis dores de seus ferimentos). Dono de um discurso populista, o vilão é realmente uma figura assustadora. É interessante salientar, todavia, que bastou um close e um olhar no terceiro ato para que esta construção se inverta e, por um momento que seja, sintamos compaixão.

Christian Bale mais uma vez está sensacional como Bruce Wayne, com as transformações físicas que ele realiza para se adequar aos personagens sempre merecendo aplausos, soando convincentes e competentes. Destaque para a voz enrouquecida adotada por ele quando encarna o homem-morcego, usada mesmo quando se comunica com aqueles que conhecem sua identidade secreta, numa atitude que beira a esquizofrenia. Anne Hathaway atua de forma sedutora e atraente como a ladra Selina, e não posso deixar de mencionar a qualidade técnica dos planos em que ela pilota a moto do Batman. A boa atuação de Marion Cotillard como Miranda Tate é deveras prejudicada pelas suas falas um tanto operísticas.

O diretor é hábil ao criar e manter a tensão, intensificada pela ótima trilha sonora de Hans Zimmer. A paleta de cores escurecida e verossímil torna a fotografia sombria, contribuindo para tornar o filme um dos mais adultos de seu gênero. Ainda assim, é decepcionante constatar que, mesmo com toda sua liberdade criativa, Nolan e sua trupe tiveram a preocupação puramente mercadológica de que o filme não recebesse um R nos Estados Unidos. Na cena em que a polícia confronta o exército de Bane no terceiro ato, fica clara a intenção de manter o PG-13.

Enquanto outro cineasta não pensaria duas vezes antes de usar CGI para compor muitas das cenas, Christopher Nolan opta por efeitos mecânicos muito mais naturais e convincentes, algo recorrente em sua filmografia. A sequência dos aviões, logo no início da projeção, não foi feita por computação gráfica em sua maior parte.

Algo comum em terceiros capítulos de trilogia, a grande quantidade de personagens e subtramas acabam levando a furos no roteiro. Como é possível que Bruce retorne rapidamente a Gotham, teoricamente sem um centavo no bolso? Essas e outras falhas chamam a atenção do espectador experiente.

O final não é ambíguo como o de A Origem (2010), mas não deixa de dar margem a variadas interpretações. Tal afirmação deve-se ao fato de Alfred não ter ido cumprimentar Selina e Bruce, e destes estarem com roupas completamente diferentes do que costumam usar. Mesmo assim, o ex-mordomo poderia estar apenas sendo discreto (já satisfeito com a visão que tivera) e as roupas poderiam apenas estar simbolizando o novo momento de vida dos personagens. Se Alfred imaginou ou não, cabe ao espectador usar seu referente para decidir. É certo, porém, que o final é muito conveniente para a Warner Brothers, mesmo sendo o último projeto da franquia dirigido por Nolan.

A película prova, entre outras coisas, que é possível realizar algo sério, inteligente e rico em idéias baseando-se em histórias em quadrinhos. Caso tal procedimento torne-se tendência, só quem ganha é o espectador, que poderá refletir sobre sua realidade e abandonar os filmes visualmente arrebatadores e vazios de conteúdo que permeiam o cinema contemporâneo.

Por Bernardo Argollo

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