“It's funny how the colors of the
real world only seem really real when you viddy them on the screen.”
Título
original: A Clockwork Orange. Dirigido por: Stanley Kubrick. Produzido por:
Stanley Kubrick. Roteiro de: Stanley Kubrick. Montado por: Bill Butler.
Fotografia de: John Alcott. Estrelando: Malcolm McDowell, Patrick Magee, Adrienne
Corri, Mirian Karlin, Godfrey Quigley e Anthony Sharp.
Violento. Marcante.
Perturbador. Ousado. Espirituoso. Todos esses adjetivos são pouco diante da
complexidade e da qualidade desta obra de Stanley Kubrick, que possui uma das
mais geniais filmografias da história do cinema. A princípio, deixo claro que
venho por meio deste registrar minhas impressões e dissertar brevemente acerca
deste clássico. Não tenho como objetivo inovar na interpretação de algo que já
possui mais de quatro décadas de existência e já foi dissecado de todas as
maneiras possíveis e imagináveis. Não me sinto no direito de fazê-lo com um
filme do qual não vivenciei o contexto de lançamento.
Laranja
Mecânica contempla a visão de futuro de Kubrick, baseada no livro
homônimo de Anthony Burgess, publicado em 1962. A trama acompanha a jornada de
Alex, um jovem de um futuro indefinido que vive suas aventuras inconsequentes
em uma Londres diferente da que conhecemos. Em meio a atos de violência,
estupro e vandalismo, Alex e seus droogs divertem-se
e suscitam reflexões. Ao ser condenado a 14 anos de prisão por seus crimes, o
protagonista é submetido a um inovador tratamento que visa curá-lo de sua
perfídia e subversão, trazendo à tona, destarte, indagações sobre os limites do
controle do indivíduo pelo Estado e sobre o cerceamento do livre arbítrio.
Logo no plano inicial, um
zoom típico de Kubrick vai abrindo o quadro e somos apresentados ao panorama do
período retratado. Os objetos de decoração ali presentes chamam atenção por
apresentarem figuras femininas reificadas, introduzindo a misoginia da
sociedade abordada. A narração que se segue apresenta os personagens e o
vocabulário próprio dos jovens do filme, o Nadsat (um inglês que incorpora
elementos de russo). O chapéu-coco utilizados pelos rapazes é uma clara alusão
aos políticos britânicos, encaixando-se perfeitamente à frieza de suas roupas
brancas, que lembram um uniforme operário, ligeiramente acinzentadas.
Apesar de a violência
estilizada contida na produção não impressionar tanto na contemporaneidade, o
diretor é hábil ao criar imagens perturbadoras (para que o espectador não
consiga se livrar delas) e mexer com temores profundos do ser humano. Isso fica
evidente logo no primeiro ato, na sequência da invasão à casa do escritor.
Nela, o público fica desconcertado, pois a idéia transmitida é a de que,
naquele universo, as pessoas não estão seguras nem mesmo em suas próprias casas
(leia-se: seus maiores refúgios). Dessa forma, a película torna-se mais
desconcertante que os programas de TV e filmes atuais, muitos com violência
gráfica bem mais explícita.
O protagonista Alex,
brilhantemente interpretado por Malcolm McDowell em cada uma de suas nuances e
transições entre estas, é incrível. Único personagem a falar diretamente com a
câmera, constrói uma narrativa intimista, confessional, que faz do espectador
um cúmplice. A estratégia é útil, pois ao compartilhar de sua adrenalina, o
público pode até achá-lo horrível, mas nunca detestável. Dessa forma, quando
Alex é transformado em uma laranja mecânica, condenamos o Estado da mesma
maneira que condenamos o rapaz por seus crimes no começo da projeção. Será ele
uma figura heroica? Afinal, parece existir num cenário destituído de pessoas.
A produção tenta, direta e
indiretamente, forçar a identificação do público jovem com seus personagens.
Isso acontece nos três atos. Exempli
gratia, Alex é claramente mais
inteligente que seus pais (quem nunca se sentiu assim que atire a primeira
pedra). Quem nunca se sentiu substituído? O ápice desse questionamento ocorre
na ótima cena em que Alex descobre que seu quarto foi alugado, e sua cobra
(símbolo do pecado na cultura ocidental) foi morta.
Confrontando, num mesmo
plano, belas imagens arquitetônicas com estupro, o filme cria e mantém seus
incômodos conflitos. Ora sexy, ora violenta, a produção está sempre
evidenciando a sagacidade daqueles que a criaram. Kubrick é perfeccionista,
quer sempre mais. O comum o entedia. Seus filmes são dinâmicos, funcionam.
Na sequência da prisão,
alguns elementos saltam aos olhos. O primeiro á um tanto óbvio: a substituição
de nomes por números, a massificação que leva à perda da individualidade e da
identidade. A segunda é a presença constante do padre, que serve, naturalmente,
de repositório da moralidade cristã. Dessa forma, vê-se a função que a religião
sempre teve em toda História, a de doutrinar as pessoas, aliená-las, servir de
muleta, fazer com que elas aceitem as coisas passivamente.
A principal discussão da
narrativa, contudo, diz respeito à retirada do direito à formação da própria
moral. É público e notório que, quando a lei falha grupos organizados assumem o
poder. O Estado deve, então, combater a violência retirando do cidadão a
capacidade de “pecar”? Cabe a cada um decidir sua posição. Não é função do
crítico de cinema ir por este ou aquele viés. Destaco, todavia, o momento
simbólico em que os outrora companheiros de Alex tornam-se policiais,
ingressando para o “braço” do Estado responsável pela “proteção” e “controle”
do sistema.
No final da proteção,
acompanhamos o consequente uso de Alex como objeto político-partidário,
resultado da polêmica causada pela sua “cura”. No encerramento, Kubrick deixa
escapar um quê moralizante, mas mesmo assim, permite diversas interpretações,
algo típico de sua filmografia. Passeando por diversos gêneros, diversos temas,
provocações variadas e sempre querendo mais, Stanley Kubrick é, indubitavelmente,
uma das maiores figuras da Sétima Arte. Conhecer e apreciar sua obra é
fundamental para entender melhor o cinema, o mundo, e a si mesmo.
Por Bernardo Argollo
P.S.: Os frames estão em alta resolução, clique para ampliá-los.
Crédito dos frames: Site
Blu-ray.com (www.blu-ray.com)