A comédia é, sem dúvida, um
dos gêneros mais difíceis de analisar, pois algo que leva um espectador às
gargalhadas pode provocar apenas indiferença em outro. Alguns acharão graça das
piadas de Os Amantes Passageiros,
outros não. Ao passo que alguns, mais audazes, ficarão consternados com esse
retrocesso na carreira do, até então, sempre sensível e inteligente Almodóvar.
Se anteriormente seu estilo
característico contribuía de maneira fundamental para o desenvolvimento da
narrativa, desta vez parece que o cineasta se interessou apenas em manter suas
marcas registradas, sem nenhuma preocupação em adequá-las às necessidades do
projeto. Almodóvar, todavia, parece achar que a força e a beleza de seu
estilo serão suficientes para sustentar a obra, dispensando uma história
minimamente coesa e envolvente.
Em meio às cores vivas, úteis
no estabelecimento do tom geral da história, o roteiro acompanha um grupo de figuras excêntricas quando uma falha técnica no avião onde se
encontram põe em risco a vida de todos. Com a catarse geral oriunda da situação,
os personagens vão revelando seus segredos para esquecer a angústia do momento.
Não deixa de ser curioso o
fato de um cineasta que costuma tratar a sexualidade com tanta delicadeza
colocar em tela estereótipos tão absurdos, grosseiros e desrespeitosos acerca
de homossexuais, sadomasoquistas e sul-americanos. Dessa forma, vemos apenas
figuras arquetípicas e esquemáticas. Não ficamos sabendo, portanto, os motivos de
suas ações, já que o roteiro jamais se preocupa com o desenvolvimento dos personagens. Escrito pelo próprio Almodóvar, o longa não explica, por exemplo, porque certo personagem cultua um altar Hindu, inserindo
esse elemento apenas para satisfazer os desvarios do diretor. Dessa forma, Almodóvar se
entrega a um exercício masturbatório de estilo. E se os planos inclinados e as
escolhas de cor revelam-se perfeitamente adequados, não conseguem mascarar o
péssimo roteiro. E se o plano que mostra a queda de um celular num local muito
oportuno já foi deveras artificial, o que dizer do arco dramático criado para a
personagem Bruna?
Ainda que o número musical
seja engraçado, não parece ter outro propósito senão inflar o tempo de
projeção, que já parece longo para seus 90 minutos. O apuro de linguagem
esperado, entretanto está lá. Requintes como as setas que indicam visualmente a
linha narrativa são interessantes e se incorporam de maneira orgânica às
composições de quadro, apresentadas na sua típica razão de aspecto de Almodóvar
(1,85:1), que foi mantida pela ótima projeção do Circuito Sala de Arte em
Salvador.
Mesmo com todos os tropeços,
é indubitável o poder deste cineasta para criar quadros que permanecem na mente
do espectador, seja pela beleza ou ousadia. É impossível não citar, destarte,
planos como o que mostra um casal se abraçando em meio à espuma, criando uma
metáfora visual para a neve. Quase que dá pra esquecer as resoluções dos “conflitos”.
Uma pena que isso se deva mais ao diretor de fotografia e ao designer de produção do que diretamente
à Almodóvar, um cineasta que se esqueceu de como é talentoso.
Por Bernardo Argollo
Observação: atualizado em 04/07/2013
Observação: atualizado em 04/07/2013