sábado, 29 de junho de 2013

Crítica: Os Amantes Passageiros (2013)













Título original: Los Amantes Pasajeros. Dirigido por: Pedro Almodóvar. Produzido por: Agustín Almodóvar. Roteiro de: Pedro Almodóvar. Estrelando: Javier Cámara, Cecilia Roth, Lola Dueñas, Raúl Arévalo.

A comédia é, sem dúvida, um dos gêneros mais difíceis de analisar, pois algo que leva um espectador às gargalhadas pode provocar apenas indiferença em outro. Alguns acharão graça das piadas de Os Amantes Passageiros, outros não. Ao passo que alguns, mais audazes, ficarão consternados com esse retrocesso na carreira do, até então, sempre sensível e inteligente Almodóvar.

Se anteriormente seu estilo característico contribuía de maneira fundamental para o desenvolvimento da narrativa, desta vez parece que o cineasta se interessou apenas em manter suas marcas registradas, sem nenhuma preocupação em adequá-las às necessidades do projeto. Almodóvar, todavia,  parece achar que a força e a beleza de seu estilo serão suficientes para sustentar a obra, dispensando uma história minimamente coesa e envolvente.

Em meio às cores vivas, úteis no estabelecimento do tom geral da história, o roteiro acompanha um grupo de figuras excêntricas quando uma falha técnica no avião onde se encontram põe em risco a vida de todos. Com a catarse geral oriunda da situação, os personagens vão revelando seus segredos para esquecer a angústia do momento.

Não deixa de ser curioso o fato de um cineasta que costuma tratar a sexualidade com tanta delicadeza colocar em tela estereótipos tão absurdos, grosseiros e desrespeitosos acerca de homossexuais, sadomasoquistas e sul-americanos. Dessa forma, vemos apenas figuras arquetípicas e esquemáticas. Não ficamos sabendo, portanto, os motivos de suas ações, já que o roteiro jamais se preocupa com o desenvolvimento dos personagens. Escrito pelo próprio Almodóvar, o longa não explica, por exemplo, porque certo personagem cultua um altar Hindu, inserindo esse elemento apenas para satisfazer os desvarios do diretor. Dessa forma, Almodóvar se entrega a um exercício masturbatório de estilo. E se os planos inclinados e as escolhas de cor revelam-se perfeitamente adequados, não conseguem mascarar o péssimo roteiro. E se o plano que mostra a queda de um celular num local muito oportuno já foi deveras artificial, o que dizer do arco dramático criado para a personagem Bruna?

Ainda que o número musical seja engraçado, não parece ter outro propósito senão inflar o tempo de projeção, que já parece longo para seus 90 minutos. O apuro de linguagem esperado, entretanto está lá. Requintes como as setas que indicam visualmente a linha narrativa são interessantes e se incorporam de maneira orgânica às composições de quadro, apresentadas na sua típica razão de aspecto de Almodóvar (1,85:1), que foi mantida pela ótima projeção do Circuito Sala de Arte em Salvador.

Mesmo com todos os tropeços, é indubitável o poder deste cineasta para criar quadros que permanecem na mente do espectador, seja pela beleza ou ousadia. É impossível não citar, destarte, planos como o que mostra um casal se abraçando em meio à espuma, criando uma metáfora visual para a neve. Quase que dá pra esquecer as resoluções dos “conflitos”. Uma pena que isso se deva mais ao diretor de fotografia e ao designer de produção do que diretamente à Almodóvar, um cineasta que se esqueceu de como é talentoso.

Por Bernardo Argollo

Observação: atualizado em 04/07/2013

domingo, 9 de junho de 2013

Crítica: Corra Lola, Corra (1998)













 „Der Ball ist rund. Das Spiel dauert 90 Minuten.“

Título original: Lola Rennt. Dirigido por: Tom Tykwer. Produzido por: Stefan Arndt. Roteiro de: Tom Tykwer. Estrelando: Franka Potente, Moritz Bleibtreu.

Corra Lola, Corra é um filme, no mínimo, pouco usual. Diferente do estilo alemão tradicional e cercado de personagens carregados de problemas ou com fortes dilemas pessoais, a película do cineasta Tom Tyker não se intimida em ousar. Assim, vê-se uma narrativa envolvente mergulhada num estilo marcante e expressivo.

Mistura de Adrenalina e Morto ao Chegar, mas com um controle de ritmo superior, o roteiro acompanha a jornada de Lola, a filha de um bem-sucedido bancário. Extravagante em seu visual e “rebelde” em suas atitudes, a moça tem um namorado, digamos, encrenqueiro. Manni, interpretado pelo ótimo Moritz Bleibtreu, faz parte de uma quadrilha e carregava uma bela quantia de dinheiro do bando, que estava testando sua confiança. Após perder o dinheiro em um trem da cidade, o rapaz liga, desesperado, para sua namorada, que começa uma eletrizante corrida, tendo como objetivo conseguir 100.000 marcos em aproximadamente vinte minutos.


O roteiro inteligentíssimo inicia-se criando uma poderosa analogia entre sua narrativa e as fases de um video game, quando a frase que T.S. Elliot (que não revelarei) é substituída por um relógio implacável, marca visual da narrativa, e por uma animação que explicita o tom surreal daquilo que estamos prestes a assistir. A fusão entre os elementos funciona perfeitamente. Abordando com maestria a dinâmica das relações modernas, o roteiro ainda encontra tempo para incluir flashforwards mostrando o destino de certas pessoas que cruzam, ao acaso, o caminho da protagonista.

Sem dúvida o mais poderoso elemento temático da obra, o acaso, surge como mais que um mero produtor de acontecimentos. É simplesmente genial a forma com a qual os realizadores mostram que pequenas mudanças aleatórias de conduta podem acarretar significativas alterações no futuro. Tudo isso embalado por uma trilha tecno que estabelece o clima frenético. E se eu fizesse isso? E isso? E isso?

Em todos os três “episódios” Lola consegue o dinheiro e o deposita em bolsas. No primeiro, em bolsas vermelhas. No segundo, o dinheiro do assalto ao banco do pai é colocado em uma bolsa verde. No terceiro, o dinheiro do cassino é colocado numa bolsa amarela. É uma metáfora visual que utiliza as cores do semáforo: pare, siga e preste atenção. Ou seja, a primeira corrida é a corrida da insensatez, do desespero e da submissão, a segunda é a da atitude, do desafio e do enfrentamento. E, finalmente, a terceira corrida é a da inspiração divina e da atuação de forças sobrenaturais. O diretor dá uma pista de como devemos encarar cada episódio através das cores.

As escolhas de cor e a fotografia do incrível Frank Griebe não só estabelecem o clima da história e o estado de espírito dos personagens, como mergulham deixam o espectador tenso e ansioso. A cor vermelha se faz presente todo o tempo (desde o telefone que Lola atende no início da projeção até seus próprios cabelos), servindo como um verdadeiro combustível visual para a protagonista. Até que atinge seu ápice nas dream sequences, quando vemos Lola e Manni decidindo entre viver ou morrer em uma fotografia extremamente avermelhada. Quanto ao cabelo de Lola, é impossível vê-la correndo e não se lembrar de um portador da tocha olímpica.

A montagem, obviamente, é frenética e, assim como a fotografia, atira para todos os lados. Cortes secos, interpolações com animações, telas divididas, etc. Esse último recurso é útil ao confrontar o universo de Lola, vermelho em essência, com o de Manni, dominado pelo amarelo. A cabine telefônica de onde Manni faz sua derradeira ligação é amarela. Assim vemos dois personagens com aspirações e atitudes diferentes. Lola é quem vai atrás e Manni é quem fica parado esperando. Ele sabe que alguém resolverá as coisas para ele. Como diria a especialista em cores Patti Bellantoni, vermelho é a cor que te chama, o amarelo, por sua vez, é a cor que vai até você. Lola é provocada pelo vermelho, Manni é estagnado pelo conforto do amarelo.


A mais intrincada ideia que permeia a película é, contudo, a presença constante das espirais. Lola parece estar sofrendo um aprimoramento como ser humano, desde a sua morte trágica até o momento que, como um anjo, salva um homem numa ambulância com um simples toque. A cada episódio, Lola estaria num estágio superior como ser humano. Na maquiagem e fotografia, espirais são recorrentes. Na apresentação dos créditos, no início da cada corrida, no ornamento na porta de seu prédio. Até movimentos de câmera em espiral são realizados pelo diretor, como no plano onde a mãe de Lola fala ao telefone, onde um percurso em espiral transporta para a TV, que contém o plano em animação. Até o nome do prédio de onde se encontra a cabine telefônica de onde Manni liga para Lola é Spiralle.

Jovem clássico da história do Cinema, Corra Lola, Corra é um marco na história do cinema alemão e uma verdadeira revolução que influenciou muitas obras posteriores. A dupla Neveldine e Taylor que o diga.

Por Bernardo Argollo

OBS.: As duas referências a Vertigo, de Hitchcock, são divertidíssimas.

The frames used here belong to Blu-ray.com and Sony Pictures.

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