segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Crítica: Lincoln (2012)













“I am the president of the United States of America, clothed in immense power! You will procure me those votes!

Dirigido por: Steven Spielberg. Produzido por: Steven Spielberg, Kathleen Kennedy. Roteiro de: Tony Kushner. Montado por: Michael Kahn. Fotografia de: Janusz Kaminski. Música de: John Williams. Estrelando: Daniel Day-Lewis, Sally Field, David Strathairn, Joseph Gordon-Levitt, James Spader, Hal Holbrook, Tommy Lee Jones.

Propondo-se a ser uma cinebiografia realista, sóbria e racional, Lincoln hesita em cumprir seus objetivos. Apresentando um protagonista excessivamente idealizado, o diretor Steven Spielberg e o roteirista Tony Kushner não se intimidam em tomar as “liberdades históricas” necessárias à mitificação do personagem-título. Ignorando passagens complicadas da biografia do homem que aboliu a escravidão nos Estados Unidos com o único propósito de endeusá-lo, os realizadores tornam os equívocos históricos imperdoáveis, uma vez que contribuem para retratar o presidente como uma figura quase que unidimensional.

A veracidade histórica não é, de forma alguma, fundamental para uma obra cinematográfica, mas é público e notório que um longa deve ser analisado sob a perspectiva do que ele se propõe a ser, e não do que gostaríamos que ele fosse. Adaptado da obra de Doris Kearns Goodwin, Lincoln concentra-se basicamente nos bastidores do poder e nos acontecimentos que culminaram na aprovação da 13ª emenda à Constituição norte-americana. Simultaneamente, acompanhamos a vida privada do presidente, incluindo suas frustrações com o casamento e sua relação com os filhos.

Situado quase sempre à direita na tela, onde os diretores que dominam a linguagem cinematográfica geralmente colocam os personagens dominantes e poderosos, Abraham Lincoln é sempre enfocado de maneira caricatural (frequentemente mostrado de perfil, na sua representação clássica) e todas suas atitudes são acompanhadas por um tema musical evocativo e uma fotografia grandiosa. Tal composição entra em conflito com a excelente atuação de Daniel Day-Lewis, que a todo momento tenta demonstrar a vulnerabilidade do personagem, adotando, entre outras coisas, uma composição vocal suave e uma expressão corporal que, metaforicamente, sugere que o presidente tem que suportar grandes fardos em suas costas. Ainda sobre as atuações, vale ressaltar que Sally Field destoa de todo o elenco, estando claramente no piloto automático, evidenciando a todo o momento para o espectador que está atuando.

Como cineasta melodramático que é, Spielberg inclui recursos dispensáveis em seu longa. Desperdiçando alguns bons momentos para concluir a narrativa, o diretor decide incluir a morte de Abraham Lincoln no filme. Assim, vemos cenas que não possuem qualquer outro objetivo senão causar impacto emocional no espectador (e na Academia), como no plano que mostra seu filho abraçando uma coluna de madeira, sem qualquer finalidade narrativa a não ser o melodrama. Numa estratégia completamente fabricada e infantil, o diretor também aposta num breguíssimo plano que inclui a imagem de Lincoln sobreposta à de uma vela.

Por outro lado, esse peso dramático é útil e funciona bem nas cenas “íntimas”, como por exemplo, numa conversa entre Lincoln e sua esposa, numa perfeita contraluz, onde o quarto do casal é apropriadamente retratado como ambiente onde afloram tensões e conflitos vividos por qualquer ser humano. Tal recurso é sublime ao contrário, observem, dos planos-detalhe que mostram, em um dado momento, as diferentes contagens de votos feitas por personagens, o que chega a ser uma maneira ofensiva de tentar criar algum suspense.

Alguns debates mostrados na narrativa são óbvias referências à discussões contemporâneas, como o casamento gay, por exemplo. O roteirista Kushner, ativista da causa, não é nada sutil ao incluir falas como "Não queira fazer ser iguais o que é naturalmente diferente” sem, de fato, aprofundar a discussão. Assim, com suas histórias de gosto discutível (sempre retratadas como parábolas da mais perfeita sabedoria), e seu jeito meio “do interior”, o Lincoln de Spielberg acaba entrando em sintonia com Obama (apesar de estarem bem distantes no que tange à oratória e eloquencia).

Possivelmente a análise deste longa seja prejudicada justamente pela nossa época, e Spielberg seria considerado um grande intelectual caso o tivesse produzido há alguns anos. Tecnicamente competente e muito bem intencionado, o projeto peca pela superficialidade, artificialidade e pieguice. É verdade que a obra diz o que já foi dito e (tenta) discutir o que já foi discutido. Não podemos, contudo, exigir mais de Spielberg que, convenientemente, compôs uma obra claramente apelativa, ávida pela comoção do espectador e, é claro, por prêmios.

Por Bernardo Argollo

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