Dirigido por: Harmony Korine. Roteiro de: Harmony Korine. Estrelando: Vanessa Hudgens, Selena Gomez, Ashley Benson, James Franco.
Mais do que um projeto ousado
feito sob medida para mostrar que princesas Disney já não são tão princesas
assim, este Spring Breakers é uma
agradável surpresa, trazendo uma estética que, se não original, serve muito bem
aos propósitos da narrativa.
Iniciado com longos planos em
câmera lenta que, em meio a uma trilha pulsante, e com uma fotografia
devidamente saturada, situam o espectador no local onde se desenrolará toda a
libertinagem que constitui a famosa semana onde vale tudo para os estudantes americanos.
O roteiro acompanha a jornada de quatro garotas, vividas por Selena Gomez,
Vanessa Hudgens, Rachel Korine e Ashley Benson. Por não possuírem recursos
financeiros para ir ao Spring Break, as meninas resolvem assaltar uma
lanchonete para angariar fundos, num criativo plano-sequência. Tendo seu
projeto bem sucedido, elas embarcam para uma jornada de sexo, drogas e
criminalidade.
A incrível fotografia de
Benoît Debie nunca é gratuita, investindo sempre em pistas visuais sobre aquilo
que acontecerá a seguir. Na sala de aula vista no início da projeção,
apropriadamente mergulhada em sombras, vemos os tons neon/cítricos que remetem
ao Spring Break. Acertando imensamente ao compor a faculdade como um ambiente
onde o cinza drenou todas as cores (algo que se repetirá na prisão, após a
festa), Debie ressalta ainda mais a fascinação que a comemoração desregrada
exerce nas jovens, que os realizadores infantilizam através de detalhes sutis
como as bolsas de pelúcia e falas ingênuas (“é a nossa chance de ver algo
diferente”).
O longa ainda encontra tempo
para criar metáforas inesperadas, como na cena em que as garotas se banham em
uma fonte, numa tentativa patética de purificação para entrar de corpo e alma
na comemoração, ao mesmo tempo em que fortes luzes vermelhas denunciam o perigo
e a culpa inerente às suas atividades, num momento que flerta divertidamente
com a lógica visual de Os Bons
Companheiros. Tomando o cuidado de não julgar as atitudes de suas
personagens, o diretor Harmony Korine conduz a narrativa com segurança, usando
imagens semelhantes a gravações de arquivo no segundo ato, contrapondo-se
inteligentemente ao ar intimista do primeiro, que com a câmera sempre próxima
ao rosto das moças, ilustra organicamente o quanto o entorno as sufoca.
O desenho de som é
simplesmente impecável, sem chamar muita atenção para si mesmo, ao passo que
contribui muito para estabelecer ideias sem recorrer a diálogos. Destaque para
o som de tiro que aparece desde o início, compondo uma criativa rima sonora e
alertando o espectador que, inevitavelmente, algo não vai dar certo. E não deu.
Donas de uma ingenuidade
irritante e diretamente proporcional à sua disposição em transgredir, as garotas
acabam detidas e são “resgatadas” pelo mafioso Alien, numa performance
magistral de James Franco. A partir de então, os realizadores são hábeis ao
retratar o desconforto crescente de Faith (Gomez) a partir da mise-en-scène e de sua posição
progressivamente à esquerda e abaixo do centro nos quadros.
Não caindo no erro comum de
justificar ou relativizar as atividades ilegais de Alien, o roteiro e a atuação
de Franco o transformam em nada menos que um personagem perigoso, assustador e
absolutamente frágil. Dono de uma sensibilidade que ninguém esperaria de uma
figura como ele, o gangster/rapper/traficante faz referência ao icônico Scarface com a mesma facilidade com que,
numa cena belíssima (e sem medo de ser brega), canta a música Everytime, de Britney Spears. Esse
momento representa o amadurecimento no mundo do crime por parte de Brit
(Benson), Candy (Hudgens) e Cotty (Korine), rimando perfeitamente com a cena em
que, num momento de descontração e infantilidade absolutas, outra música da
mesma artista é cantada, a boba Baby One
More Time.
Não que o longa não tenha sua
parcela de problema, é claro. Algumas situações são difíceis de aceitar, soando
absurdamente inverossímeis, mesmo naquele universo totalmente deturpado. O
roteiro jamais se preocupa em esclarecer, por exemplo, o real motivo de Alien
ter pagado a fiança das garotas, sendo que nunca as tinha visto antes (e havia
inúmeras outras na mesma situação). Mas tudo isso empalidece, por exemplo,
diante da mansão banhada por luzes roxas (morte) vista no terceiro ato. Ah, Spring Breakers... Você fez a lição de
casa.
Por Bernardo Argollo