“I want adventure in the great wide somewhere
I want it more than I can tell
And for once it might be grand
To have
someone understand
I want
so much more than they've got planned...”
Título Original: Beauty and the Beast. Dirigido por: Gary Trousdale e Kirk Wise.
Produzido por: Don Hahn. Roteiro de: Linda Woolverton. Montado por: John
Carnochan. Estrelando: Paige O’Hara, Richard White e Robby Benson.
Impossível escrever sobre
animação nos anos 1990 sem mencionar as produções da chamada Disney Renaissance
(ou, algumas vezes traduzida como Era de Ouro da Disney). O período, iniciado
em 1989 com A Pequena Sereia e
finalizado em 1999 com Tarzan, é
considerado o apogeu técnico e cinematográfico da animação bidimensional. Nele,
a Walt Disney Pictures se redimiu de fracassos como O Caldeirão Mágico (1986) e reacendeu o interesse do público e da
crítica por seus filmes, com inesquecíveis sucessos de bilheteria. E é nesse
contexto que surge A Bela e a Fera,
levando a animação a um nível inimaginável, contando com incríveis inovações
técnicas e com o mérito de ter sido o primeiro filme de animação da história a
ser indicado para o Oscar de Melhor Filme.
A dupla de diretores acerta
ao manter a história em seu local e tempo de origem, a França renascentista do
século XVIII, tornando a narrativa fluida e natural. Imersa nessa época de
grandes transformações políticas, sociais e culturais que se encontra a
protagonista Bela, uma jovem com idéias modernas e progressistas convivendo com
indivíduos de mentalidades atrasadas, relutantes em se adaptar às mudanças em
curso. Basicamente, a trama gira em torno da prisão da moça em um castelo
enfeitiçado, onde habita um príncipe transformado em Fera. Após trocar sua
liberdade pela de seu pai, um excêntrico inventor, o roteiro retrata a
consequente história de amor entre Bela e o príncipe disforme, que acredito ser
resultado de uma convivência forçada, fato ratificado pela ausência de sinais
de “amor à primeira vista”, superando um terrível clichê dos filmes infantis.
Com personagens humanos ora
verossímeis, ora estilizados, as inovações da produção são evidentes. Trata-se
da primeira animação a mesclar desenhos feitos à mão com cenários em CGI,
técnica que anos mais tarde tornar-se-ia obrigatória em qualquer filme de
orçamento razoável da categoria. Muito fala-se da estrutura narrativa,
semelhante à de um musical da Broadway. Constitui um engano, contudo,
classificá-la como novidade, pois tal montagem já se fez presente no filme de
abertura supramencionado da Era de Ouro. Mas de qualquer forma, os números
musicais saltam aos olhos por sempre possuírem função e acontecerem com
naturalidade e qualidade, não estando deslocados ou soando apenas como um
artifício para divertir a jovem plateia. Sem falar, é claro, nas letras
fenomenais compostas pelo mestre Alan Menken, com o sentido original um tanto
distorcido na razoável dublagem em português.
Assustadoramente bem
desenvolvidos para uma película de apenas oitenta e quatro minutos de duração,
os personagens e suas vicissitudes são um espetáculo à parte. Se os objetos
antropomorfizados não impressionam tanto depois de 21 anos do lançamento do
longa, a Fera chama a atenção pela sua expressividade marcante destrinchada na
sua constituição física peculiar. A criatura é uma miscelânea de elementos de
animais como urso, javali, touro e leão, combinados de forma fantástica pelos
talentosos desenhistas.
A lógica visual que permeia
a película é um tanto óbvia, com a oposição evidente entre a mocinha vestida de
azul (única em seu vilarejo a exibir a cor) e o vilão de vermelho. Não
considero tal maniqueísmo como ponto fraco, mas como recursos diegéticos
aplicados de forma apropriada a uma narrativa de foco infantil. Destaque para a
indumentária amarela da protagonista na clássica sequência da dança, hábil ao
explicitar o que ela representa no universo turvo do “monstro”, um verdadeiro
sol que se contrapõe à sua escuridão.
O design de produção da fita
é genial, desde a fotografia evocativa da Ala Oeste até a representação dos
conflitos internos da Fera por meio de uma decoração de inspiração barroca bem
aplicada. Da iluminação que se intensifica até o momento em que movimentos de
câmera ambiciosos revelam a transformação do castelo (passando do barroco para
o neoclássico) e de seus habitantes no terceiro ato, tudo é concebido com apuro
técnico e fluidez visual.
O observador mais atento
perceberá discretos erros históricos, como no plano que mostra o castiçal
Lumière com uma representação da torre Eiffel ao fundo. A torre foi construída
em 1889, muitos anos após o período em que o filme se propõe a retratar. Vale
destacar, entretanto, a divertida referência a Napoleão feita pelo pragmático
Horloge.
Na tentativa de provocar
reflexões nas crianças (educá-las?), a Disney cria alegorias e simbolismos, do
óbvio ao mais sutil. Duas, particularmente, chamaram minha atenção. A primeira
é a apoteótica apresentação da biblioteca, que enquanto reverencia a
valorização crescente das ciências na época enfocada (lembrando que as teorias
iluministas vigentes pregam o racionalismo), endeusa o conhecimento e o coloca
como meio para o desenvolvimento individual e coletivo. A segunda, mais
simbólica e implícita, se dá quando Bela lê um livro sentada próxima a uma
fonte, cercada de ovelhas. Durante um brevíssimo momento, tem-se a sensação que
ela é quase que uma pastora, exibindo os encantos de seu livro para a horda,
guiando-a. Dessa forma, o filme mostra que, como dizia Clarice Lispector, a
palavra é um domínio sobre o mundo. Se afastando das polêmicas e duplos
sentidos complicados de outras obras, a produtora beira o sublime com suas
construções.
A versão convertida para 3D,
lançada em fevereiro deste ano a fim de repetir o sucesso do retorno de O Rei Leão às telas em 2011, é
competente. A profundidade é bem marcada e os artistas optaram pela paralaxe
positiva, de efeito muito mais interessante e sem a vulgaridade de atirar
objetos na cara do espectador. A única ressalva é para a profundidade de campo,
que ocasionalmente se apresenta reduzida, quando o oposto é pré-requisito para
qualquer filme em 3D. A terceira dimensão, todavia, é desnecessária para que
crianças e adultos possam desfrutar dessa obra, que 21 anos depois, ainda
permanece brilhante.
Por Bernardo Argollo
Créditos dos frames: Site Blu-ray.com (www.blu-ray.com)
Por Bernardo Argollo
Créditos dos frames: Site Blu-ray.com (www.blu-ray.com)