quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Crítica: Incêndios (2010)













Dirigido por: Denis Villeneuve. Produzido por: Luc Déry, Kim McCraw. Roteiro de: Denis Villeneuve, Valérie Beaugrand-Champagne Estrelando: Lubna Azabal, Mélissa Désormeaux-Poulin, Maxim Gaudette, Rémy Girard.

Em certo momento de Incêndios, um experiente professor dá as boas-vindas à matemática pura dizendo que esta é “o reino da solidão”. E é dessa maneira que Denis Villeneuve (do perturbador Polytechnique) vê o Oriente Médio, uma terra de brutalidade, fanatismo e irracionalidade. Mesmo assim, o que se vê na tela é uma história inteligente, tocante e fundamentalmente humana, já que o diretor jamais toma partido e faz questão de deixar claros os prejuízos para todas as partes.

Baseado na peça homônima de Wadji Mouawad, o belíssimo (e coeso) roteiro acompanha os irmãos Jeanne e Simon Marwan, gêmeos que, após a morte da mãe, descobrem que possuem um irmão e que seu pai pode estar vivo. Jeanne, então, resolve mergulhar sem reservas no passado da genitora, partindo numa reveladora viagem com destino a um país não revelado (mas cujos acontecimentos são claramente inspirados no Líbano das últimas quatro décadas) no Oriente Médio. Ao passo que Jeanne se entrega totalmente em sua jornada, Simon se mostra relutante em desvendar o passado e cumprir com as disposições do testamento.


Construindo cuidadosamente sua história, os realizadores optam por erigir um universo carregado em melancolia, e o próprio design de produção da obra evidencia essa natureza soturna. Desde à sala de aula coberta por tons de branco vista no primeiro ato, totalmente drenada de cores, até os figurinos dos gêmeos, que quase sempre estão de cinza, a lógica visual do longa acerta por servir à trama, não constituindo um fim em si mesma. A direção de arte consegue ser evocativa ao alternar grandes paisagens bucólicas e habitações humildes, que aparecem manchadas por cinzas de um incêndio.


Desenrolando-se em duas linhas temporais, a narrativa jamais deixa o espectador confuso ou cai no erro de se tornar excessivamente episódica. O recurso é clichê, mas funciona. Usando o passado sempre que precisa explicar o presente, Villeneuve impregna sua obra de uma aura mítica e etérea típica das tragédias. As duas buscas paralelas, de Nawal por seu primeiro filho dado para adoção e a de Jeanne por seu pai e seu irmão, realçam a relação passado/presente.

Uma das muitas nuances da produção é a busca identitária por parte de filhos de imigrantes, que nasceram em outros países, que não falam a língua de seus antepassados e que não se identificam com sua cultura. Então, ao se perguntarem qual é sua verdadeira identidade, emerge o simbolismo dos incêndios, que só deixam cinzas, restos de algo que já se foi.

Bastante seguros sobre a história que pretendem contar, os produtores conseguem extrair o melhor do elenco. Lubna Azabal, intérprete de Nawal, consegue exprimir seus desesperos sem recorrer à diálogos. A sequência em que sua personagem é atacada no ônibus é extremamente comovente, e Azabal ilustra toda a complexidade do momento com apenas uma mudança de olhar. Só grandes atores são capazes de fazê-lo. Enquanto isso, Mélissa Désormeaux-Poulin se sente extremamente confortável como sua Jeanne, e merecia todos os prêmios de atuação só pela forma como reage ao questionamento feito pelo irmão no terceiro ato.

A presença de títulos que dividem o filme é completamente inútil e descartável. Além de não terem função alguma na narrativa (pois os espectadores podem se situar muito bem sem sua ajuda), os letreiros vermelhos quebram a bela continuidade visual da fotografia de André Turpin. Pior que isso, só os diálogos excessivamente fabricados do tabelião interpretado pelo ótimo Rémy Girard, personagem que é utilizado pelo roteiro apenas como recurso expositivo.

Incêndios ressignifica o mito de Édipo, da tragédia grega de Sófocles, ao revelar a identidade do pai e do irmão dos gêmeos. Assim, Villeneuve faz com que a trajetória de Nawal se confunda com o próprio momento histórico turbulento que vivenciou. Entre a viver em uma mentira e conviver com a verdade, ela opta pela paz contida nesta última. Criando uma narrativa universal que se encaixaria em qualquer região convulsionada do planeta, o cineasta consegue se estabelecer como um dos maiores achados do cinema canadense dos últimos anos.


Por Bernardo Argollo

The frames used here belong to Blu-ray.com and Sony Pictures.

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