sexta-feira, 27 de julho de 2012

Crítica: A Bela e a Fera (1991)














“I want adventure in the great wide somewhere
I want it more than I can tell
And for once it might be grand
 To have someone understand
 I want so much more than they've got planned...”

Título Original: Beauty and the Beast. Dirigido por: Gary Trousdale e Kirk Wise. Produzido por: Don Hahn. Roteiro de: Linda Woolverton. Montado por: John Carnochan. Estrelando: Paige O’Hara, Richard White e Robby Benson.

Impossível escrever sobre animação nos anos 1990 sem mencionar as produções da chamada Disney Renaissance (ou, algumas vezes traduzida como Era de Ouro da Disney). O período, iniciado em 1989 com A Pequena Sereia e finalizado em 1999 com Tarzan, é considerado o apogeu técnico e cinematográfico da animação bidimensional. Nele, a Walt Disney Pictures se redimiu de fracassos como O Caldeirão Mágico (1986) e reacendeu o interesse do público e da crítica por seus filmes, com inesquecíveis sucessos de bilheteria. E é nesse contexto que surge A Bela e a Fera, levando a animação a um nível inimaginável, contando com incríveis inovações técnicas e com o mérito de ter sido o primeiro filme de animação da história a ser indicado para o Oscar de Melhor Filme.


A dupla de diretores acerta ao manter a história em seu local e tempo de origem, a França renascentista do século XVIII, tornando a narrativa fluida e natural. Imersa nessa época de grandes transformações políticas, sociais e culturais que se encontra a protagonista Bela, uma jovem com idéias modernas e progressistas convivendo com indivíduos de mentalidades atrasadas, relutantes em se adaptar às mudanças em curso. Basicamente, a trama gira em torno da prisão da moça em um castelo enfeitiçado, onde habita um príncipe transformado em Fera. Após trocar sua liberdade pela de seu pai, um excêntrico inventor, o roteiro retrata a consequente história de amor entre Bela e o príncipe disforme, que acredito ser resultado de uma convivência forçada, fato ratificado pela ausência de sinais de “amor à primeira vista”, superando um terrível clichê dos filmes infantis.

Com personagens humanos ora verossímeis, ora estilizados, as inovações da produção são evidentes. Trata-se da primeira animação a mesclar desenhos feitos à mão com cenários em CGI, técnica que anos mais tarde tornar-se-ia obrigatória em qualquer filme de orçamento razoável da categoria. Muito fala-se da estrutura narrativa, semelhante à de um musical da Broadway. Constitui um engano, contudo, classificá-la como novidade, pois tal montagem já se fez presente no filme de abertura supramencionado da Era de Ouro. Mas de qualquer forma, os números musicais saltam aos olhos por sempre possuírem função e acontecerem com naturalidade e qualidade, não estando deslocados ou soando apenas como um artifício para divertir a jovem plateia. Sem falar, é claro, nas letras fenomenais compostas pelo mestre Alan Menken, com o sentido original um tanto distorcido na razoável dublagem em português.


Assustadoramente bem desenvolvidos para uma película de apenas oitenta e quatro minutos de duração, os personagens e suas vicissitudes são um espetáculo à parte. Se os objetos antropomorfizados não impressionam tanto depois de 21 anos do lançamento do longa, a Fera chama a atenção pela sua expressividade marcante destrinchada na sua constituição física peculiar. A criatura é uma miscelânea de elementos de animais como urso, javali, touro e leão, combinados de forma fantástica pelos talentosos desenhistas.

A lógica visual que permeia a película é um tanto óbvia, com a oposição evidente entre a mocinha vestida de azul (única em seu vilarejo a exibir a cor) e o vilão de vermelho. Não considero tal maniqueísmo como ponto fraco, mas como recursos diegéticos aplicados de forma apropriada a uma narrativa de foco infantil. Destaque para a indumentária amarela da protagonista na clássica sequência da dança, hábil ao explicitar o que ela representa no universo turvo do “monstro”, um verdadeiro sol que se contrapõe à sua escuridão.

O design de produção da fita é genial, desde a fotografia evocativa da Ala Oeste até a representação dos conflitos internos da Fera por meio de uma decoração de inspiração barroca bem aplicada. Da iluminação que se intensifica até o momento em que movimentos de câmera ambiciosos revelam a transformação do castelo (passando do barroco para o neoclássico) e de seus habitantes no terceiro ato, tudo é concebido com apuro técnico e fluidez visual.


O observador mais atento perceberá discretos erros históricos, como no plano que mostra o castiçal Lumière com uma representação da torre Eiffel ao fundo. A torre foi construída em 1889, muitos anos após o período em que o filme se propõe a retratar. Vale destacar, entretanto, a divertida referência a Napoleão feita pelo pragmático Horloge.

Na tentativa de provocar reflexões nas crianças (educá-las?), a Disney cria alegorias e simbolismos, do óbvio ao mais sutil. Duas, particularmente, chamaram minha atenção. A primeira é a apoteótica apresentação da biblioteca, que enquanto reverencia a valorização crescente das ciências na época enfocada (lembrando que as teorias iluministas vigentes pregam o racionalismo), endeusa o conhecimento e o coloca como meio para o desenvolvimento individual e coletivo. A segunda, mais simbólica e implícita, se dá quando Bela lê um livro sentada próxima a uma fonte, cercada de ovelhas. Durante um brevíssimo momento, tem-se a sensação que ela é quase que uma pastora, exibindo os encantos de seu livro para a horda, guiando-a. Dessa forma, o filme mostra que, como dizia Clarice Lispector, a palavra é um domínio sobre o mundo. Se afastando das polêmicas e duplos sentidos complicados de outras obras, a produtora beira o sublime com suas construções.


A versão convertida para 3D, lançada em fevereiro deste ano a fim de repetir o sucesso do retorno de O Rei Leão às telas em 2011, é competente. A profundidade é bem marcada e os artistas optaram pela paralaxe positiva, de efeito muito mais interessante e sem a vulgaridade de atirar objetos na cara do espectador. A única ressalva é para a profundidade de campo, que ocasionalmente se apresenta reduzida, quando o oposto é pré-requisito para qualquer filme em 3D. A terceira dimensão, todavia, é desnecessária para que crianças e adultos possam desfrutar dessa obra, que 21 anos depois, ainda permanece brilhante.

Por Bernardo Argollo

Créditos dos frames: Site Blu-ray.com (www.blu-ray.com)

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