domingo, 16 de dezembro de 2012

Crítica: O Hobbit - Uma Jornada Inesperada (2012)













Home is now behind you. The world is ahead.”

Título original: The Hobbit – An Unexpected Journey. Dirigido por: Peter Jackson. Produzido por: Carolynne Cunningham, Zane Weiner, Fran Walsh, Peter Jackson. Roteiro de: Fran Walsh, Philippa Boyens, Peter Jackson, Guillermo del Toro. Montado por: Jabez Olssen. Fotografia de: Andrew Lesnie. Música de: Howard Shore. Estrelando: Martin Freeman, Ian McKellen, Richard Armitage, James Nesbitt, Ken Stott, Cate Blanchett, Ian Holm, Christopher Lee, Hugo Weaving, Andy Serkis, Manu Bennett.

Parte 1 – Uma Jornada Inesperada

Não existem palavras para descrever a sensação de retornar à terra-média depois de quase dez anos. A magnitude do universo é tanta que chega a mascarar os defeitos de uma produção baseada em uma história um tanto simples e com pouca informação para três filmes. O roteiro “convida” personagens, enxerta outros (chega a criar um sub-vilão) e extende a história ao máximo na tentativa de engrandecê-la. Mas tudo isso enfraquece diante da seguinte frase: é a terra-média.

Baseado em um livro de tom leve e inocente, o roteiro acompanha as aventuras de Bilbo Bolseiro sessenta anos antes dos acontecimentos vistos em O Senhor dos Anéis. Juntamente com Gandalf e a companhia de Thorin Escudo de Carvalho, Bilbo se envolve numa missão arriscada: recuperar a morada e o tesouro dos anões, roubados pelo cruel dragão Smaug.

O primeiro ponto que chama atenção na construção do roteiro é o excesso de anões. Com exceção do príncipe Thorin e do ancião Balin, os anões são praticamente iguais. A não ser pelas diferenças físicas, é impossível diferenciá-los. Eles não tem personalidade alguma e não se desenvolvem enquanto personagens. Isso é muito significativo, pois estamos falando de onze em um universo de treze. Cortar cinco anões faria um bem imenso à narrativa, mas infelizmente a ânsia de ser fiel ao livro (como se isso fosse uma coisa louvável) e de agradar ao fãs acaba sendo prejudicial.

Por outro lado, são tomadas liberdades criativas para melhorar a história e torna-lá mais palatável ao público. Personagens como Saruman (Lee) e Galadriel (Blanchett) são introduzidos na história de maneira conveniente e benéfica. Apesar de terem sido criados depois da publicação do livro O Hobbit, em 1937, eles na verdade fazem parte da história, apenas não são citados. O processo criativo de Tolkien é complexo, com muitos aspectos pertinentes às histórias sendo citados apenas em apêndices, por exemplo.

O mago Radagast é um personagem bobo e dispensável, além de extremamente caricato. Ele não acrescenta nada ao filme. Suas cenas sempre tendem para o pastelão (a corrida no trenó de coelhos) e sua única ação significativa, que é alertar sobre o Necromante que se instalou nas ruínas de Dol Gundur, poderia ser executada por outro personagem sem grandes prejuízos.

Martin Freeman está irretocável como Bilbo. Favorecido pela própria estrutura da narrativa, ele constitui um personagem infinitamente mais interessante que Frodo, protagonista de O Senhor dos Anéis. Ao contrário da apatia e inocência do seu parente mais jovem, o Bilbo de Freeman sabe ser simpático, astuto, maldoso e carismático na medida certa.

Já que o dragão Smaug praticamente inexiste nesse primeiro episódio, nada mais adequado que criar um antagonista. Apesar de se tornar repetitivo e prejudicar o ritmo da narrativa, o orc gigante Azog (que prejudicara anões em uma batalha) é um interessante contraponto, na ausência do vilão principal. E falando em criaturas digitais geradas por captação de movimentos, impossível não citar Gollum. Em seu retorno à telona, a criatura está ainda mais impressionante que em O Senhor dos Anéis, estando ainda mais detalhada e expressiva (se é que isso é possível).

A trilha sonora composta por Howard Shore é boa e funcional. Peca, contudo, por ter seus melhores momentos justamente quando evoca os temas originais de O Senhor dos Anéis. A música cantada pelos anões, ao contrário do que o trailer leva a supor, não acrescenta ao filme e soa um tanto boboca.

Indeciso entre o tom mais inocente da história original e o tom mais sombrio e urgente de O Senhor dos Anéis, o diretor de fotografia Andrew Lesnie alterna tons sombrios e cores vivas. É imperioso que as duas sequências sejam mais constantes quanto à fotografia e sutis nas mudanças. Resta-nos aguardar o próximo episódio sem medo de decepção. Afinal, esta inexistirá. Pois trata-se da terra-média. Não há para onde correr. A magnitude e a magia deste universo empalidecem quaisquer tropeços.

Parte 2 – Um Framerate Inesperado

Muito se fala sobre os 48 quadros por segundo adotados por Peter Jackson. Uma análise real está além dos objetivos desse texto, pois além de incluir componentes subjetivos exige que o leitor possua conhecimentos prévios de cinematografia, estética e linguagem cinematográfica.

É bem razoável dizer que a imagem chega a ser perturbadora de tão perfeita, sendo possível ver cada poro, fio de barba ou cabelo e fibra das roupas. É natural, contudo, que a tecnologia ainda precisa ser aprimorada. Alguns planos parecem estar ligeiramente “acelerados” e alguns movimentos causam uma sensação de estranhamento. As cenas de ação não apresentam um borrão sequer. É meio esquisito estar, literalmente, absorvendo o dobro de informação por segundo. Assim como a linguagem 3D ainda engatinha, a nova linguagem cinematográfica a 48 fps também está incipiente. Fico ansioso pra ver o que um diretor como Martin Scorsese fará com o recurso.

Falando em 3D, é triste constatar que Jackson não sabe usá-lo. Realmente, são poucos que sabem. Revelando o mesmo desconhecimento de linguagem exibido por Tim Burton em Alice no País das Maravilhas, ele comete erros básicos como adotar uma profundidade de campo pequena (deixar o fundo desfocado) em alguns planos, algo que não deve ser feito em filmes tridimensionais, pois contraria a própria lógica do campo 3D. Como se não bastasse, ele abusa de elementos como mudança rápida de foco (rack focus), como no plano que mostra Gandalf e Galadriel. Em filmes tridimensionais tudo precisa estar visível do primeiro ao último elemento. Isso permite que o cérebro do espectador crie o foco, o que evita dores de cabeça.

Enfim, estamos diante de uma nova estética, de um avanço técnico que culminará na ascensão de uma nova linguagem e de uma nova fotografia e cinema. Só o tempo revelará as verdadeiras implicações artísticas e se o formato perdurará. Resta-nos rever nossos conceitos e, principalmente, não aceitar algumas ideias que provavelmente começarão a surgir, como a de que filmes rodados a 24 quadros sejam inferiores, por exemplo. Na contemporaneidade já é comum ouvir que filmes em preto e branco são “chatos”. Tal consideração é equivocada e afasta as atuais e futuras gerações de cinéfilos dos clássicos universais da Sétima Arte.

Por Bernardo Argollo

P.S.: Recomendo a leitura deste artigo, escrito pelo cineasta João Papa e publicado no site do meu professor Pablo Villaça. É muito esclarecedor acerca das implicações do novo formato, bem como explica todos os aspectos envolvidos de maneira simples e didática. Fundamental para o leitor interessado em se aprofundar.

Twitter Delicious Facebook Digg Stumbleupon Favorites More

 
Design by Free WordPress Themes | Bloggerized by Lasantha - Premium Blogger Themes | Grants For Single Moms