quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Crítica: Jogos Vorazes - Em Chamas (2013)













Dirigido por: Francis Lawrence. Produzido por: Nina Jacobson, Jon Kilik. Roteiro de: Michael Arndt, Simon Beaufoy. Estrelando: Jennifer Lawrence, Josh Hutcherson, Liam Hemsworth, Elizabeth Banks, Phillip Seymour Hoffman, Sam Claflin.

Para a provável alegria de milhões de fãs histéricos, o segundo capítulo da franquia Jogos Vorazes parece mais preocupado com questões práticas do que em discutir as questões morais de se disputar um jogo que não passa de um massacre. E isso é bom.

Com a mesmíssima dinâmica do filme anterior, o roteiro acompanha as consequências com as quais Katniss Everdeen tem de lidar, depois do que fora forçada a fazer no primeiro longa. Acertando justamente por não compactuar com o pior defeito dos livros – serem narrados em primeira pessoa – o longa acompanha os vencedores da 74ª edição dos Jogos Vorazes durante uma turnê pelos 12 distritos controlados pela totalitária e luxuriante capital. Tornada símbolo de esperança para os desolados habitantes de Panem, Katniss descobre que será obrigada a participar do “Massacre Quaternário” onde ela terá, juntamente com outros vencedores do reality show, que lutar por sua sobrevivência e, é claro, sofrer ainda mais.

Eficiente em seus aspectos técnicos, o longa agrada (mas não impressiona) em sua direção de arte e efeitos especiais. Claramente óbvio em suas simbologias e metáforas, os realizadores não se preocupam com sutileza ao externar para seu público-alvo as entrelinhas da trama e de sua construção visual. Assim, não é necessário pensar muito ao ouvir os nomes de alguns personagens (Plutarch, que foi biógrafo de figuras como Marco Antônio e Cleópatra, é meu favorito), ao passo que o design de produção da Capital que, indubitavelmente moderna, não se intimida ao externar todo tipo de edifício acinzentado e anguloso, muito parecida, digamos, com uma certa capital de um majestoso império da antiguidade (fui sutil o suficiente?). O nome do país eu não vou nem comentar. Aliás, em que universo diegético esse Estado está situado? Como é sua relação com outros países e outros povos? A comunidade internacional (se é que há alguma) aceita e corrobora tudo que acontece? O resto do mundo também está dividido em distritos e controlado por outros presidentes ditatoriais? São algumas das muitas perguntas sem resposta presentes tanto no roteiro quanto no livro atarantado de Suzane Collins.

Sem subestimar em momento algum o impacto dos acontecimentos do primeiro filme, Em Chamas admiravelmente faz questão de mostrar que o fato de ter vencido os Jogos não alterou a dinâmica da vida de sua protagonista. Vivendo no mesmo mundo cinzento e melancólico, a moça, agora encarada como ameaça, mostra-se inteligente o suficiente para não se posicionar politicamente, sabendo que isto resultará em desastre. Perturbada pelo trauma dos Jogos, o longa agora faz com que o alcoolismo de Haymitch pareça bastante plausível, já que o universo cruel e opressivo de Panem atinge a todos, mesmo os vencedores.

Assim como no primeiro filme, este também é repleto de boas atuações e personagens interessantes. A excepcional Jennifer Lawrence parece ter entrado no piloto automático como Katniss, sempre interpretada no mesmo tom de tragédia e sofrimento. O sempre ótimo Phillip Seymour Hoffman é extremamente eficaz com seu Plutarch Heavensbee (dá pra imaginar outro ator interpretando o personagem mais dual da trama?), assustadoramente cheio de nuances para um coadjuvante de um blockbuster. Não é à toa que ele é amplamente considerado um dos melhores de Hollywood. O único destaque negativo reside na atuação de Josh Hutcherson. Inexpressivo como sempre, o ator recita suas falas sempre no mesmo tom monocórdico e parece acreditar que isso é suficiente para o crescimento de seu personagem. Não é.

Lançado em meio a um morno debate sobre suas denotações e conotações políticas – qual político atual representaria o presidente Snow? – Em Chamas possui uma narrativa fraca demais para justificar tal discussão. Os realizadores parecem mais preocupados com táticas de jogo e com os desvarios amorosos da protagonista. Ainda que o recurso aventado por Plutarch para prejudicar a imagem de Katniss seja interessante, bem como o fato desta não viver em função de seu triângulo amoroso (que jamais desvia muita atenção), todos os subtextos são óbvios demais. Mesmo assim vão passar muito acima da maior parte do público. Sim, há um viés politizado, há abuso de poder, há “pão e circo”, há sacrifícios pessoais, mas a incapacidade de raciocínio crítico de uma enorme porção da geração atual anula qualquer esforço da produção.

Incrivelmente eficiente em seus propósitos, mas longe de ser uma obra perfeita, Em Chamas é um pequeno milagre no esquema de produção de filmes teen de Hollywood. Francis Lawrence e o roteirista Michael Arndt (de Toy Story 3 e do futuro Star Wars VII) conduzem a narrativa com segurança, fazendo com que todos os recursos em suas mãos conduzam a um entretenimento para adolescentes que tem um mínimo significado. O que, por si só, já é um grande feito.

Por Bernardo Argollo

sábado, 16 de novembro de 2013

Crítica: Blue Jasmine (2013)













Dirigido por: Woody Allen. Produzido por: Letty Aronson. Roteiro de: Woody Allen. Estrelando: Cate Blanchett, Alec Baldwin, Sally Hawkings, Bobby Cannavale.

Surpreendentemente expondo a si mesmo ao fazer um estudo psicológico de sua personagem, Woody Allen retorna aos Estados Unidos depois de visitar a Europa em seus três últimos filmes. Ao mesmo tempo severo e compassivo, o cineasta conseguiu criar um drama envolvente com uma das criaturas mais desprezíveis e comoventes de sua filmografia. Expondo a realidade tragicômica da ruína dos especuladores financeiros durante a crise de 2008, Allen não se intimida com suas convicções.

Cate Blanchett (que me tirou o fôlego com a poderosa Elizabeth e a inesquecível Galadriel, de O Senhor dos Anéis) apresenta uma de suas melhores performances na pele da arrogante Jasmine que, nascida Jeanette, se reinventou como a esposa de um investidor bilionário. Em meio a joias, mansões e eventos, a socialite de repente vê-se na miséria desde que seu marido, Hal (Baldwin), foi preso por fraude (qualquer semelhança com o verídico Bernie Madoff não é mera coincidência). Assim, ela é obrigada a se mudar para São Francisco e viver com sua alegre, mas simples, irmã Ginger, por quem nunca dispensou muito apreço quando levava uma vida luxuosa. O longa acompanha todos os seus desesperos enquanto Jasmine resiste, inutilmente, à nova existência.

Acostumada a ser servida por todos e sempre exigindo a bondade alheia, Jasmine exibe todos os seus pontos fracos sem gerar, por um momento que seja, a antipatia que normalmente sentiríamos por uma figura como ela. Sim, é fato que trata-se de uma criatura que representa o cúmulo da arrogância, do esnobismo e que beira a alienação, mas há algo de inegavelmente tocante na maneira com que ela relata a história de sua vida, visto que pequenos incidentes aparentemente triviais de seu passado contribuem imensamente para que compreendamos sua visão de mundo, o que é importante para o longa.
O elenco é simplesmente primoroso, com todos encaixando-se perfeitamente aos seus papéis. Sally Hawkins interpreta Ginger com a economia necessária (vale ressaltar que as duas irmãs foram adotadas), ao passo que Alec Baldwin sente-se muito confortável com seu Hal, que é o próprio arquétipo do executivo sedutor. Mas é Blanchett quem realmente merece todos os prêmios, abraçando sua personagem com fragilidade e desespero, simplesmente entregando a melhor performance feminina em um filme de Woody Allen desde Diane Keaton em Annie Hall (1977).
O longa expõe de cara os desajustes emocionais de sua protagonista. Começando pelo monólogo, que ela acredita ser uma conversa, o que quase me fez pensar nela, por um momento, como uma versão feminina do próprio Woody Allen. Mas não, a história é sobre ela, que não está à beira da devastação total, pois já passou disso e não vislumbra nada que se encaixe em suas pretensões. De que adianta hospedar-se com a irmã, se seu namorado e seus amigos são tão mal-educados e seu apartamento é tão feio? De que vale se sujeitar ao trabalho de secretária num escritório de um dentista, se este emprego está tão abaixo dela?
Claramente inspirado em Uma Rua Chamada Pecado, o roteiro é recheado de flashbacks que visam esclarecer as circunstâncias que levaram a protagonista à sua conjuntura. Mesmo assim, consegue manter-se coeso e bem estruturado, ainda que não sejam necessários tantos retornos temporais para que possamos deduzir o que ocorreu. A estrutura funciona e justifica-se apenas pela sua “revelação” no terceiro ato.

Vendo apenas o quer ver, Jasmine, quando rica, não enxergava as traições do marido e agora, pobre, insiste em só ver os aspectos negativos da vida humilde da irmã. Essa é a sua maior tragédia. Allen e seu diretor de fotografia ilustram essa atitude organicamente através das cores quentes de Nova York e da paleta ligeiramente dessaturada de São Francisco. Mas é impossível não ter a impressão de que Allen corrobora suas ideias, ele está com ela (senão ela não seria a protagonista, ora!). São Francisco é um horror perto de Nova York e não ser rico é mesmo um porre. Assim, quando Jasmine chora de alívio ao receber a ligação de um pretendente, é impossível não se identificar, ao passo que o enquadramento à distância (em respeito) funciona perfeitamente.

Ainda que tenha lá seus momentos de comédia involuntária, Blue Jasmine chega ao fim com um plano desolador. Enquadrada em primeiríssimo plano, vemos a dedicação com a qual Woody Allen trata a sua musa, mais uma mulher desajustada entre tantas. Deve-se lembrar, porém, que nenhuma foi exposta com tanta convicção.


Por Bernardo Argollo

Twitter Delicious Facebook Digg Stumbleupon Favorites More

 
Design by Free WordPress Themes | Bloggerized by Lasantha - Premium Blogger Themes | Grants For Single Moms