quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Crítica: Argylle (2024)

Dirigido por: Matthew Vaughn. Roteiro de: Jason Fuchs. Fotografia de: George Richmond. Estrelando: Henry Cavill, Bryce Dallas Howard, Sam Rockwell, Bryan Cranston, Catherine O'Hara, Dua Lipa, Ariana DeBose, John Cena e Samuel L. Jackson.

Matthew Vaughn, diretor de Kick-Ass e do fenomenal Kingsman (escrevi sobre a continuação deste filme aqui), retorna ao univerno no qual tem investido sua força criativa na última década. Eficaz, o cineasta ainda não nos deu motivos reais para desapontamentos. Inicialmente eclético, Vaughn dirigiu em 2007 um dos meus filmes favoritos de todos os tempos, Stardust. No entanto, o britânico parece mesmo decidido a dedicar sua carreira à parodiar/homenagear filmes de espionagem, com resultados variáveis. Devo dizer que apreciei moderadamente a prequel de Kingsman, lançada em 2021, ao contrário da maior parte da crítica. Essa história de origem, além de injustiçada, teve seu desempenho nas bilheterias fortemente prejudicado pela Pandemia.

Eis que, três anos depois, temos Argylle. O roteiro de Jason Fuchs acompanha Elly Conway, vivida por Bryce Dallas Howard (nepo baby, sim, mas das boas), escritora reclusa que, quem poderia imaginar, se envolve em uma trama real baseada em seus próprios livros. Mais metalinguístico, impossível. E se fui sucinto na sinopse, é proposital, pois a quantidade de reviravoltas aqui é capaz de dar inveja aos roteiristas de franquias como Piratas do Caribe e Missão Impossível. Além de Samuel L. Jackson e Bryan Cranston, o elenco também conta com a participação constante de Henry Cavill no primeiro ato (e sua ausência é sentida por todo resto da projeção) e John Cena, ator que considero um talento desperdiçado na indústria.

Há aqui floreios estilísticos bregas, como os efeitos digitais que simulam uma câmera atravessando um vidro (sim, ainda há quem ache isso elegante em 2024). Por outro lado, temos também criações inspiradas, como a sequência envolvendo certas bombas de gás lacrimogêneo. Como em todo bom filme de espionagem, há belas locações, fotografadas com vivacidade, porém um tanto prejudicadas por acréscimentos feitos com CGI de qualidade questionável. Assim sendo, é lamentável que o terceiro ato tenha sido quase que totalmente rodado em internas.

O projeto também sofre pela classificação indicativa PG-13, certamente usada na tentativa de atingir um público mais amplo. Segundo Vaughn, apenas dois cortes tiveram de ser feitos para evitar que o filme fosse R-rated. Desses dois, apenas um realmente incomodou o diretor, de acordo com entrevista que concedeu ao site GamesRadar. Ao que parece, os membros da MPA (entidade responsável pelas classificações indicativas) acreditam que um tiro na cabeça deva ser imediatamente categorizado como para maiores. Disparos no tórax, todavia, são perfeitamente aceitáveis, bastante family-friendly, e recebem um PG-13 sem problemas.

Argylle tem um elenco talentosíssimo, bem como uma riqueza de ideias que, às vezes, parecem disputar espaço umas com as outras. As sequências de ação são criativas, mas irregulares na execução. O roteiro traz reviravoltas constantes, que perdem significado rapidamente e, para os pouco versados no gênero da espionagem, o projeto pode resultar numa experiência mais tediosa do que divertida. Eu, no entanto, sigo ansioso por uma continuação e, claro, por um crossover com Kingsman.

Por Bernardo Argollo

Agradecimentos: Espaço Z e Universal Pictures.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Crítica: Pobres Criaturas (2023)

Dirigido por: Yorgos Lanthimos. Roteiro de: Tony McNamara. Fotografia de: Robbie Ryan. Estrelando: Emma Stone, Mark Ruffalo, Willem Dafoe e Ramy Youssef.

Jornadas em que criaturas têm a oportunidade de crescer, desenvolver-se e descobrirem-se, sem interferência de seus criadores, possuem apelo quase universal. Yorgos Lanthimos, diretor grego responsável pelo sublime A Favorita, colabora novamente com Emma Stone neste novo projeto. Aqui, a dupla entrega, com o perdão do anglicismo, um trabalho ainda mais extravagante que o filme de 2018. Pois é.

O roteiro é baseado (ou melhor, inspirado) no livro de Alastair Gray, publicado há 32 anos, que ressignificou e questionou o clássico Frankenstein. A trama gira em torno de Bella Baxter (Stone), jovem vitoriana fruto de um experimento realizado pelo Dr. Godwin (Dafoe, sempre ótimo). Portadora de mente infantilizada, a moça parte numa jornada de aventura e autodescoberta, acompanhada de perto pelo dândi Duncan Wedderburn (Ruffalo). E se fui sucinto nesta sinopse, vocês compreenderão minhas razões após assistir ao filme.

O diretor de fotografia Robbie Ryan emprega diversos recursos em sua cinematografia, como grão grosso, paleta saturada (quando necessário) e, assim como em A Favorita, lentes grandes angulares. Desse modo, Lanthimos e seu fotógrafo extraem o máximo do design de produção influenciado pelo steampunk, bem como distorcem as perspectivas do público em meio à atmosfera de sonho. Usa-se aqui a razão de aspecto 1,66:1, o que não deixa de ser um alívio em meio a tantos projetos que abusam do 4:3 com fins ditos estilísticos, mesmo quando praticamente todas as suas cenas se beneficiariam de uma razão de aspecto maior (o mais recente projeto a cometer tal deslize foi este)

Emma Stone, um dos maiores talentos de sua geração, realiza aqui sua performance mais corajosa até o momento, do ponto de vista físico e emocional. À medida que Bella tem seus impulsos tolhidos pelas convenções sociais, ela conquista o público com sua curiosidade genuína, num magnetismo que também não poupa os outros personagens. Mark Ruffalo, que comentou com a imprensa ter havido certa insegurança com o próprio corpo nas cenas explícitas, encarnou Wedderburn com energia e virilidade de fazer inveja à intérpretes bem mais jovens (ou mesmo ao seu próprio Bruce Banner). A declaração do ator, de 56 anos, nos lembra que o culto à juventude, apesar de não ser equânime entre os gêneros, também afeta o contingente masculino de Hollywood.

Não há como negar a força dramática do filme em seus momentos finais. Menos didático do que Barbie, especialmente nas reflexões sobre o que significa ser mulher, o longa encara questões fundamentais de nossa existência. O caminho para o autoconhecimento é repleto de erros, acertos, expectativas de felicidade não realizadas, sacrifícios pessoas e, claro, desgastes. Bella é uma self-made woman por mérito próprio. Ela aprendeu a não se definir pelos papéis que terceiros acreditem que deva desempenhar, bem como soube se erguer quando suas próprias ideias não encontraram respaldo na realidade. O que importa, no fim das contas, é nunca perder a esperança, ter coragem, e ser gentil. 

Por Bernardo Argollo

Agradecimentos: Espaço Z e The Walt Disney Company.

sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

Crítica: Segredos de um Escândalo (2023)

Dirigido por: Todd Haynes. Roteiro de: Samy Burch. Fotografia de: Christopher Blauvelt. Estrelando: Julianne Moore, Natalie Portman e Charles Melton.

Todd Haynes, diretor do aclamado Carol (2015), é um dos raros cineastas do new queer cinema que conseguiu migrar para o mainstream. Ousado, sem nunca soar vulgar, Haynes aqui decide explorar temas ainda mais delicados, como pedofilia e aliciamento de menores. Por motivos óbvios, escândalos íntimos possuem apelo quase universal, e o filme não só compreende isso como consegue a proeza de mergulhar numa história desconfortável sem causar grande repulsa no público.

A narrativa acompanha a atriz Elizabeth (Portman), escalada para interpretar Gracie, mulher que, há vinte anos, se envolveu com um garoto de 13 anos (ela tinha 36). O "romance" culminou com a prisão da abusadora, que não apenas engravidou do garoto mas, cumprida sua pena, manteve o relacionamento. Agora legalmente casados e com três filhos, Gracie e Joe (Melton) veem sua rotina perturbada pela presença da artista, que vai conhecê-los como parte da preparação para interpretá-la no filme independente (claro).

É interessante observar o modo como Elizabeth, moça de modos contidos e voz vacilante, passa a absorver paulatinamente a linguagem corporal de Gracie, cuja fachada de autoridade esconde a própria insegurança. A atuação de Moore, acertadamente, sugere camadas sem nunca revelá-las de fato. A mulher, agora de meia-idade, parece sempre ter uma lágrima escondida no canto do olho e um rancor a espreitar cada sorriso. Assombrada pelo horror que cometeu, ela se esforça para manter a aparência de mãe saída de comercial de margarina, mas na primeira oportunidade trata seu cônjuge como se fosse um filho (o que não é exatamente uma surpresa, diga-se de passagem).

Haynes ilustra tal processo de maneira interessante, com Elizabeth à esquerda do quadro e, depois da desestabilização do núcleo familiar pela sua presença, a jovem passa a ocupar a porção direita dos enquadramentos. Comprometida com o próprio trabalho e genuinamente interessada em explorar o ser por trás de sua futura personagem, ela permeia o passado de Gracie por meio de depoimentos de filhos, do advogado, do ex-marido e, claro, das interações com a própria. O esposo (ou melhor, vítima) de Gracie é vivido aqui por Charles Melton (sim, aquele ator de televisão), um intérprete limitado, mas que consegue incutir em Joe o choque causado pelo abandono do ideal romântico e percepção do horror de sua própria existência.

O real motivo do abuso e da manutenção do relacionamento entre as partes, só podemos especular. Com ritmo agradável, o longa toma seu tempo sem jamais soar enfadonho, o que não é tão fácil de fazer quanto parece. Segredos de um Escândalo termina numa nota pungente, daquelas que deixam os espectadores incertos sobre a real natureza do que testemunharam. O maior mérito aqui, no entanto, talvez seja o fato de não pretender dar respostas simples para perguntas complexas (exatamente o que prejudicou esse filme). Mais um trabalho relevante na filmografia de Todd Haynes, o projeto é uma grande aposta para a temporada de premiações.

Por Bernardo Argollo

Agradecimentos: Espaço Z e Diamond Films.

quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

Crítica: Beekeeper - Rede de Vingança (2024)

Dirigido por: David Ayer. Roteiro de: Kurt Wimmer. Fotografia de: Gabriel Berinstain. Estrelando: Jason Statham, Emmy Raver-Lampman, Josh Hutcherson, Bobby Naderi, Minnie Driver, Jeremy Irons e Phylicia Rashad.

David Ayer é um diretor de ação eficiente. Foi o responsável por bobagens divertidas como End of Watch (2012) e Fury (2014). Astuto e dono de um olhar razoável, o americano ficou com má fama, algo injusta, após ter seu Esquadrão Suicida picotado pelos executivos da Warner. O motivo, só podemos especular. Bright, seu trabalho de 2017 para a Netflix, prefiro fingir que nunca existiu.

A narrativa acompanha a “saga” por vingança (claro) do Mr. Clay (Statham), decidido a punir os responsáveis por uma rede de golpes de phishing cuja mas recente vítima foi sua amiga/vizinha Eloise Parker (Rashad). Dona de uma naïveté atroz, a idosa se suicidou após perder todos os seus ativos financeiros, zerados num piscar de olhos. Sim, a premissa é absurda, pois ela nem ao menos tenta contactar os bancos ou denunciar a fraude. Outra conveniência incrível é que nem a CIA nem o FBI parecem ser capazes de levar os criminosos à justiça. Só que Clay, obviamente, é um “Beekeeper”, ou seja, bota todos os outros no chinelo. Naturalmente, todos os Beekeepers trabalham à margem do sistema, para proteger a colmeia (o que quer que isso possa significar).

Jason Statham interpreta o mesmo papel de sempre, e com a qualidade de sempre. O britânico é, sem dúvida, o ator de ação mais prolífico da contemporaneidade, dono de uma filmografia de dar inveja a Van Damme ou Stallone. Reminiscente de John Wick do roteito à indumentária dos vilões (estilosíssima, diga-se de passagem), o projeto provavelmente ficará sempre na sombra do filme estrelado por Keanu Reeves. De todo modo, o filme agradará plateias sedentas por conteúdo com classificação indicativa maior que PG-13, particularmente tolhedora em produções deste gênero específico.

As sequências de ação podem não ser tão inventivas ou fluidas como as de John Wick, mas o projeto merece aplausos pela violência deliciosamente brutal e, em certos momentos, até inesperada. Josh Hutcherson, dono de um carisma proporcional à sua (baixa) estatura, interpreta um vilão caricatural com a inexpressividade habitual. Já Jeremy Irons, com dicção perfeita e cadência exemplar, entrega os diálogos expositivos de modo a quase disfarçar sua verdadeira natureza. Beekeeper é pulp cinema em sua essência. Sanguinolento, energético e esteticamente agradável, o longa tira o gosto ruim de Esquadrão Suicida. Quando um cineasta trabalha com um estúdio que respeita sua visão, os resultados tendem a ser mais animadores.

Por Bernardo Argollo

Agradecimentos: Espaço Z, Diamond Films e Amazon MGM Studios.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

Crítica: Os Rejeitados (2023)

Dirigido por: Alexander Payne. Roteiro de: David Hemingson. Fotografia de: Eigil Bryld. Estrelando: Paul Giamatti, Da'Vine Joy Randolph e Dominic Sessa.

Alexander Payne, cineasta até então mediano, dirigiu algumas comédias pouco memoráveis ao longo da carreira. Seu último filme, Downsizing, foi um fracasso de público, crítica e bilheteria. Desta vez, o diretor surpreende com um projeto que está entre os melhores de 2023 e homenageia cinema dos anos 1970. É a segunda vez que Payne dirige um projeto que não foi escrito por ele. Pelo visto, esse é um excelente sinal.

O roteiro acompanha Paul Hunham (Giamatti), professor de História incumbido de supervisionar os alunos que irão passar o natal no campus de um colégio interno da Nova Inglaterra. A razão de aspecto reduzida de 1,66:1, o grão grosso (simulado digitalmente) e a abertura com a antiga vinheta do estúdio ajudam na recriação da época. O filme não apenas se passa há mais de cinquenta anos, como parece ter sido rodado naquela época. Tal efeito já foi tentado em muitos outros projetos, nem sempre com o sucesso visto aqui.

O veterano Paul Giamatti consegue transmitir um mundo de sentimentos apenas com uma sutil mudança no olhar. Especialista em interpretar misantropos, o ator americano é favorecido pelo roteiro, algo que nem sempre aconteceu em seus outros trabalhos (como a série Billions). Infelizmente, alguns dos coadjuvantes acabam soando como o que são realmente: caricaturas. O imigrante, o valentão, o mórmon… Todos estão lá. Mas o que importa mesmo é que o principal, vivido pelo novato Dominic Sessa, tem (bem) mais de uma camada. Ainda bem.

Esperto, o diretor toca em questões políticas, mas nunca as torna o foco da narrativa. Tal atitude só atrapalharia o projeto, cujo centro emocional é a relação entre o professor e seu aluno renegado. Sim, a produção abusa de vários clichês do gênero, mas é doce (e melancólica), sendo um dos melhores filmes "de internato" já feitos. A comédia dramática de Alexander Payne está no mesmo nível de clássicos como Sociedade dos Poetas Mortos (1990) e School Ties (1992).

Por Bernardo Argollo

Agradecimentos: Espaço Z, Universal Pictures e Warner Bros.

Twitter Delicious Facebook Digg Stumbleupon Favorites More

 
Design by Free WordPress Themes | Bloggerized by Lasantha - Premium Blogger Themes | Grants For Single Moms