sábado, 16 de novembro de 2013

Crítica: Blue Jasmine (2013)













Dirigido por: Woody Allen. Produzido por: Letty Aronson. Roteiro de: Woody Allen. Estrelando: Cate Blanchett, Alec Baldwin, Sally Hawkings, Bobby Cannavale.

Surpreendentemente expondo a si mesmo ao fazer um estudo psicológico de sua personagem, Woody Allen retorna aos Estados Unidos depois de visitar a Europa em seus três últimos filmes. Ao mesmo tempo severo e compassivo, o cineasta conseguiu criar um drama envolvente com uma das criaturas mais desprezíveis e comoventes de sua filmografia. Expondo a realidade tragicômica da ruína dos especuladores financeiros durante a crise de 2008, Allen não se intimida com suas convicções.

Cate Blanchett (que me tirou o fôlego com a poderosa Elizabeth e a inesquecível Galadriel, de O Senhor dos Anéis) apresenta uma de suas melhores performances na pele da arrogante Jasmine que, nascida Jeanette, se reinventou como a esposa de um investidor bilionário. Em meio a joias, mansões e eventos, a socialite de repente vê-se na miséria desde que seu marido, Hal (Baldwin), foi preso por fraude (qualquer semelhança com o verídico Bernie Madoff não é mera coincidência). Assim, ela é obrigada a se mudar para São Francisco e viver com sua alegre, mas simples, irmã Ginger, por quem nunca dispensou muito apreço quando levava uma vida luxuosa. O longa acompanha todos os seus desesperos enquanto Jasmine resiste, inutilmente, à nova existência.

Acostumada a ser servida por todos e sempre exigindo a bondade alheia, Jasmine exibe todos os seus pontos fracos sem gerar, por um momento que seja, a antipatia que normalmente sentiríamos por uma figura como ela. Sim, é fato que trata-se de uma criatura que representa o cúmulo da arrogância, do esnobismo e que beira a alienação, mas há algo de inegavelmente tocante na maneira com que ela relata a história de sua vida, visto que pequenos incidentes aparentemente triviais de seu passado contribuem imensamente para que compreendamos sua visão de mundo, o que é importante para o longa.
O elenco é simplesmente primoroso, com todos encaixando-se perfeitamente aos seus papéis. Sally Hawkins interpreta Ginger com a economia necessária (vale ressaltar que as duas irmãs foram adotadas), ao passo que Alec Baldwin sente-se muito confortável com seu Hal, que é o próprio arquétipo do executivo sedutor. Mas é Blanchett quem realmente merece todos os prêmios, abraçando sua personagem com fragilidade e desespero, simplesmente entregando a melhor performance feminina em um filme de Woody Allen desde Diane Keaton em Annie Hall (1977).
O longa expõe de cara os desajustes emocionais de sua protagonista. Começando pelo monólogo, que ela acredita ser uma conversa, o que quase me fez pensar nela, por um momento, como uma versão feminina do próprio Woody Allen. Mas não, a história é sobre ela, que não está à beira da devastação total, pois já passou disso e não vislumbra nada que se encaixe em suas pretensões. De que adianta hospedar-se com a irmã, se seu namorado e seus amigos são tão mal-educados e seu apartamento é tão feio? De que vale se sujeitar ao trabalho de secretária num escritório de um dentista, se este emprego está tão abaixo dela?
Claramente inspirado em Uma Rua Chamada Pecado, o roteiro é recheado de flashbacks que visam esclarecer as circunstâncias que levaram a protagonista à sua conjuntura. Mesmo assim, consegue manter-se coeso e bem estruturado, ainda que não sejam necessários tantos retornos temporais para que possamos deduzir o que ocorreu. A estrutura funciona e justifica-se apenas pela sua “revelação” no terceiro ato.

Vendo apenas o quer ver, Jasmine, quando rica, não enxergava as traições do marido e agora, pobre, insiste em só ver os aspectos negativos da vida humilde da irmã. Essa é a sua maior tragédia. Allen e seu diretor de fotografia ilustram essa atitude organicamente através das cores quentes de Nova York e da paleta ligeiramente dessaturada de São Francisco. Mas é impossível não ter a impressão de que Allen corrobora suas ideias, ele está com ela (senão ela não seria a protagonista, ora!). São Francisco é um horror perto de Nova York e não ser rico é mesmo um porre. Assim, quando Jasmine chora de alívio ao receber a ligação de um pretendente, é impossível não se identificar, ao passo que o enquadramento à distância (em respeito) funciona perfeitamente.

Ainda que tenha lá seus momentos de comédia involuntária, Blue Jasmine chega ao fim com um plano desolador. Enquadrada em primeiríssimo plano, vemos a dedicação com a qual Woody Allen trata a sua musa, mais uma mulher desajustada entre tantas. Deve-se lembrar, porém, que nenhuma foi exposta com tanta convicção.


Por Bernardo Argollo

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