quinta-feira, 9 de maio de 2013

Crítica: A Viagem de Chihiro (2001)













“Once you've met someone you never really forget them. It just takes a while for your memories to return.”

Título original: Sen to Chihiro no Kamikakushi. Dirigido e roteirizado por: Hayao Miyazaki. Produzido por: Toshio Suzuki. Estrelando (na versão japonesa): Rumi Hiiragi, Miyu Irino, Mari Natsuki, Bunta Sugawara.

Muitos dizem que animação é um gênero fílmico. Não é. Animação é uma técnica cinematográfica. Tal conceito, usualmente, faz com que produções baseadas no recurso sejam sempre associadas ao público infantil. Não que A Viagem de Chihiro não seja infantil, mas vai muito além de clichês como discussões rasas, moralismo barato, heroísmo fabricado, maniqueísmo, metáforas ridículas e diálogos que subestimam e inteligência da criança. Longe de ser um filme apenas bonitinho e engraçadinho para entreter crianças, esse longa propõe reflexões profundas.

Escrito pelo próprio Miyazaki (o maior animador do Japão, muitas vezes referido como “o Walt Disney japonês”), o roteiro acompanha a jornada de Chihiro, uma menina mimada e medrosa que se muda com seus pais para uma pequena cidade no interior do Japão. Ao pegar um caminho errado e parar na entrada de um túnel no meio de uma floresta, os pais de Chihiro decidem entrar para ver o que há do outro lado, para desespero da garota. Acreditando que acharam ruínas bem conservadas de um parque temático, os pais de Chihiro animam-se ao encontrar uma mesa repleta de guloseimas, e decidem experimentá-las. Enquanto isso, Chihiro decide explorar o local e depara-se com um misterioso garoto, Haku, que a alerta para que não permaneça ali depois do pôr-do-sol. Mas o aviso chega tarde, e a garota descobre que seus pais foram transformados em porcos e que o local é, na verdade, uma casa de banhos frequentada por deuses e espíritos. Agora, ela terá que se adaptar ao local, ao mesmo tempo em que tenta salvar seus pais e cumpre os desafios que lhe são apresentados.

É notável o amadurecimento da protagonista durante sua jornada por esse nova dimensão. Inicialmente uma criança chata e imatura, Chihiro é forçada a se adaptar a um universo hostil, numa belíssima metáfora da passagem da infância para a adolescência. Obrigada a enfrentar seus maiores temores, seu desenvolvimento emocional fica latente. Além de precisar arrumar um emprego para sobreviver, a garotinha quase tem seu nome completamente roubado pela bruxa Yubaba (a dona da casa de banhos). Assim, ela vê a necessidade de conservar seu nome, sua identidade. Uma casa de banhos traz a ideia de purificação, de limpeza, mas Chihiro não está lá para ser purificada, e sim para auxiliar na limpeza dos outros.

Exibindo o preciosismo técnico típico das obras de Miyazaki (observem a sutileza com que Chihiro troca a fita que amarra seus cabelos), o longa conta com uma galeria de personagens mágicos e fantásticos que, em meio a cenários grandiosos (e também opressivos e assustadores), envolvem-se em uma série de conflitos muito simbólicos. Destaque para o momento em que o espírito do rio vai banhar-se, e toda uma série de entulhos e porcarias sai de seu interior, evidenciando a forma com que a humanidade trata seus recursos hídricos, muitas vezes poluindo-os e assoreando-os para dar lugar a construções.

Valendo-se de forma magistral de signos interpretativos orientais, o longa não apresenta nada simples ou reconfortante. Ele trata de temas atuais e humanos de forma dura e complexa, mas sem perder o carisma. A transformação dos pais de Chihiro em porcos, interessante crítica do diretor à sociedade consumista e à gula, é só uma das inúmeras metáforas veiculadas.

Repleto de silêncios contemplativos e pausas, o roteiro ainda encontra tempo para trazer uma ousada mudança de foco, que só enriquece a narrativa. Em meio a tantos personagens, é esperado que o desenvolvimento de alguns acabe sendo prejudicado, o que infelizmente acontece com o Sem-Rosto, espírito que fica obcecado por Chihiro após esta ter sido gentil com ele e insiste em oferecer-lhe vários presentes, inclusive ouro. Jamais ficamos sabendo as suas reais motivações e propósitos.

Rica em detalhes, a animação não tem o aspecto plástico que algumas produções em CGI mal-acabadas (como os fracos Madagascar e O Espanta Tubarões) apresentam. Além disso, simula a profundidade de campo com uma competência incrível. Extremamente detalhista, a equipe compõe cenários memoráveis, como a enorme escada sem corrimão e detalhes incríveis como os reflexos no vidro do carro. Isso sem falar no trem com trilhos submersos.

Vencedor do Oscar de Melhor Animação em 2003 (pois foi lançado nos EUA em 2002), este filme infantil que pisca para outros públicos certamente deve ser incluído em qualquer antologia de maiores animações da história, ao lado de produções da Pixar e Disney. Assim como em Meu Amigo Totoro e Castelo no Céu, outras obras de Miyazaki, A Viagem de Chihiro vai além do lugar comum e se firma como um dos maiores clássicos japoneses.

Por Bernardo Argollo

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