terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Crítica: Anora (2024)

Escrito e dirigido por: Sean Baker. Cinematografia: Drew Daniels. Estrelando: Mikey Madison, Mark Eydelshteyn, Yura Borisov e Karren Karagulian.

O conto da Cinderela representa um anseio fundamental da psiquê humana, o de ser reconhecido e levado a uma existência superior. Talvez por isso, essa narrativa persiste. Anora (ou Ani, como prefere ser chamada) trabalha num clube de strip-tease em Brighton Beach, Nova York. Quando conhece e se casa impulsivamente com o filho de um oligarca russo, os pais do noivo partem para os EUA a fim de anular o casamento.

Responsável pelo excelente Projeto Flórida, Baker retorna ao universo dos dilemas da classe marginalizada. Aqui, o americano subverte as expectativas da sua própria linguagem, com diversos subtextos que oferecem material para reflexão sem sacrificar o dinamismo ou mesmo poesia da narrativa. A filmografia de Baker entende que, numa sinuca de bico, só nos resta o caos e o riso. E, como diria Tobias Forge, não há nada de errado nisso. 

A relação entre Ani e o garoto (Eydelshteyn) pauta-se num equilíbrio incerto. Enquanto a primeira parece acreditar na legitimidade de seus sentimentos, o segundo enxerga o vínculo como algo fugaz e, claro, vantajoso para si mesmo. Mikey Madison, de Pânico VI e Era Uma Vez... em Hollywood, sempre foi boa atriz, mas aqui encara um desafio notável. Seu papel mistura elementos de comédia, tragédia, romance e erotismo. E assim a jovem entrega sua fisicalidade sem gourmetizações, ao compor uma moça sobre quem opiniões são formadas com um mero olhar.

Rodado em 35mm e enquadrado em Scope (anamórfico) o projeto traz elementos azuis e vermelhos em quase todos os planos, simbolizando o sonho (ou pesadelo) americano. As escolhas de figurino também refletem a situação dos personagens, sendo interessante notar como Ani se torna cada vez mais vestida à medida que se torna vulnerável. De um modo ou de outro, a garota se define pelo papel que acredita ser destinada a desempenhar, aprendendo, ao longo do filme, a se resignar com o fato de que tal ideia não encontrou reflexo na realidade.

Ainda assim, não há como negar a força do longa em seus momentos finais, que oferecem uma conclusão perfeita para a trajetória emocional e psicológica de sua protagonista. Em última instância, Anora é sobre as paredes visíveis e invisíveis que atrapalham nossos devaneios sobre igualdade. Mas também é sobre algo ainda mais inquietante: a diferença entre ser olhado e ser visto.

Por Bernardo Argollo

Agradecimentos: Espaço Z e Universal Pictures.

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